FRANQUIAS: A ORIGEM DA BURGUESIA...
Por David da Costa Coelho
Uma das grandes falhas dos livros de história com relação ao surgimento da burguesia, esta justamente na inexistência de sua origem. Ficando o vazio de que existiam cidades que ofereciam a livre circulação das pessoas e dos produtos, que nela podiam transitar sem empecilho, sem pagar nada a ninguém. Bom, como sabemos na idade média a riqueza de um nobre era avaliada na quantidade de terras que possuía, assim sendo a existência de cidades autônomas e independentes da nobreza é de longe um grande conto de fadas. Embora a circulação de moedas tenha quase sido extinta, ainda assim ela sobreviveu, pois cada feudo podia cunhar seu próprio dinheiro, séculos mais tarde quando os estados centralizados se formarem, caberá a cada reino, e não aos feudos, cunhar uma moeda valida em todo território nacional. O aumento da [1]produção agrícola, provocado pelo desmatamento ampliou a quantidade de terras cultiváveis o que irá gerar excedentes para as feiras, e o acumulo de capital para o surgimento de uma nova classe social no estado estamental feudal; a burguesia...
Os nobres e a igreja católica recebiam os inúmeros impostos feudais e religiosos em artigos produzidos no campo, mas não raro, também em moedas, já que os servos também faziam escambo ou venda de produtos em feiras; evidente que pagando ao nobre dono da terra uma quantia pelo aluguel do local naquele dia específico. Ainda hoje o feirante faz a mesma coisa ao pagar a prefeitura para ocupar o lugar e as barracas. Apesar de explorados ao extremo, ainda assim eles obtinham lucro e comercializavam próximo a uma catedral, ou do lado de fora do castelo do senhor das terras, onde a proteção era garantida contra bandidos e salteadores que abundavam naquele período. Com dinheiro, depois de pagar os encargos feudais, podiam adquirir produtos vindos do oriente, pois graças as Cruzadas, os europeus voltaram a usar mercadorias trazidas do Oriente, tais como gengibre, pimenta, canela, cravo-da-índia, óleo de arroz, açúcar, figos, tâmaras, amêndoas...
Como sabemos, especiaria na idade média era coisa de luxo, gerando um lucro imenso, o que deixava o nobre, dono da terra onde era feita a feira muito satisfeito com os impostos, e para ele, era melhor receber em dinheiro os encargos cobrados dos servos do que em alimentos e manufaturas diversas. Assim ficou evidente que controlar as feiras e as pessoas que ali vinham para comercializar era de suma importância. A colocação de feiras em seus feudos também garantiria o fluxo de recursos para aquele ambiente, e o aumento e importância do poder feudal dentro da sua localidade. Como o negócio era bom, outras pessoas passaram a se interessar mais por esses locais do que a vida rural, além do mais, a violência no campo, e a cobrança de impostos pelos nobres e a igreja não diminuíram, o que incentivava o êxodo rural para os burgos, onde haveria melhores condições de sobrevivência. Por sua vez, os feirantes com dinheiro podiam adquirir produtos excedentes do campo e de outras localidades, o que intensificava o comércio.
Com o interesse exacerbado por produtos diversos e rentáveis, mesmo recebendo mais impostos dos feirantes e novos comerciantes, os nobres impuseram mais obrigações a estes comerciantes. Não havia como não pagar, afinal a sociedade era assim pela vontade de deus, segundo a igreja e o sistema feudal. No entanto, também veio reinvindicações desses comerciantes em relação aos nobres. Eles queriam padronizar produtos e serviços, combater a concorrência e determinar locais onde se poderiam produzir determinados bens específicos. Desta forma surgiram associações de artesãos e comerciantes. ‘ As associações de artesãos eram chamadas corporações de ofício, e as de comerciantes, guildas ou ligas. Unidos, eles pretendiam evitar a concorrência, fixar preços e regulamentar o trabalho, além de enfrentar os limites impostos pelos senhores e nobres feudais. ’
Para poderem ter essas liberdades, e certa autonomia dos senhores feudais, os soberanos ofereciam a cartas de franquia a esses grupos associados. Embora o território ainda fosse de um senhor feudal, dentro dos muros conhecidos como burgos; por um pagamento vultoso ao nobre, que podia ser mensal ou anual, os locatários do burgo possuíam certa liberdade de trânsito ou de comercialização de produtos ou serviços, em detrimento da sua autoridade feudal. Com o aumento de comercio e compras, era necessária cada vez mais a presença de moedas para negociar a compra de produtos, aumentando a população nesses burgos, que crescem a ponto de se tornarem cidades.
Com essa nova realidade as pessoas podiam almejar realizações pessoais se tivessem dinheiro. A figura do burguês é as feiras e ‘rotas comerciais fez ressurgir a importância do dinheiro. O comercio, fundamentado antes na simples troca de produtos, passou a se basear na troca de produtos por moeda. O próprio mercador, precisando de dinheiro para viajar e comprar mercadorias, começou a pedi-lo emprestado, propiciando o desenvolvimento das casas bancárias. Em consequência do comercio, algumas regiões passaram a se especializar na produção e comercialização de determinados produtos. Borgonha e vale do Reno, na atual França, por exemplo, especializaram-se em vinho; Provença, em sal, e assim por diante. Houve também o aumento do número de pessoas que trabalhavam por salário. ’
No entanto, apesar de ser parte de um sistema novo e prospero que ajudara a criar, os burgueses, ao contrario do que se afirmava nos antigos livros de história, não se aliaram ao rei para exterminar a nobreza. O rei era um nobre, sua classe social mantinha a nobreza e a igreja. Seu poder social e peso financeiro continuavam porque os nobres eram donos de tudo, inclusive dos burgos e cidades pelo qual os burgueses deveriam [2]pagar “royalties”; o crescimento dos burgos e nova realidade econômica neles, bem como péssimos hábitos de higiene devido à sanha do pecado católico, fara com que doenças assolem a Europa, e a peste negra terá papel fundamental porque destruirá todo sistema feudal. Isso abre espaço para o humanismo, e as revoltas contra os nobres. Estes por sua vez procuram o maior de todos os senhores feudais, o Rei.
Fortalecido por retomar os feudos, possuindo todos os demais nobres sobre sua alçada protetora em suas fronteiras, já que os nobres temiam as revoltas de servos que ocorreram neste período. Ele pode dar inicio ao estado moderno e ao absolutismo, que nada mais é do que um reaparelhamento do estado feudal, segundo o historiador [3]Mario Schmidt; onde os nobres estão isentos de qualquer encargo, assim como o clero, e os servos e burgueses continuam com toda a carga e cobranças feudais. A solução para os burgueses será patrocinar pessoas que contestem de forma intelectual o sistema feudal absolutista, através de varias manifestações artísticas e culturais, o que ocorre com o renascimento, e mais tarde com o iluminismo e as revoluções burguesas. Outra solução para os burgueses ascenderem de classe era comprar títulos de nobreza. Ainda hoje, em pleno século XXI, pode se comprar castelos em países europeus, e ainda adquirir também o titulo de nobre. Concluindo, sem as cartas de franquias, concedidas pelos nobres, jamais haveria feiras, e a própria burguesia, e no final da ponta, o capitalismo como conhecemos hoje. E como a história sempre se repete, se você tiver muito dinheiro, pode comprar uma franquia de lojas famosas...
[1]"No período que vai do século XI ao século XV - a chamada Baixa Idade Média - percebe-se uma decadência no feudalismo. O aumento populacional provocado por essa fase de estabilidade levou à necessidade de mais terras, nas quais os trabalhadores desenvolveram técnicas agrícolas que lhes facilitaram o trabalho. Em torno dos castelos começaram a estabelecer-se indivíduos que comerciavam produtos excedentes locais e originários de outras regiões da Europa. A moeda voltou a ser necessária, e surgiram várias cidades importantes junto às rotas comerciais e marítimas e terrestres."
[2] Na Idade Média, uma cidade “franca” ou “franqueada”, era uma cidade que oferecia a livre circulação das pessoas e dos produtos que nela podiam transitar. O verbo “franquear” significava então conceder um privilégio ou autorização mediante a cedência de uma serventia. Explicando melhor: os Soberanos ofereciam "Lettres de franchise"– cartas de franquia – às pessoas, mediante o pagamento de certo valor financeiro, e concediam-lhes uma certa liberdade de trânsito ou de comercialização de produtos ou serviços, em detrimento da sua autoridade. É este pagamento que deu origem ao termo “royalties” (de real, relativo a reis e soberanos).
[3] Mário Furley Schmidt (Niterói, 1959) é um conhecido professor, escritor e enxadrista brasileiro. É considerado o autor que mais vendeu livros de História do país (Sua coleção, Nova História Crítica vendeu mais de 10 milhões de exemplares). 1 2 A obra foi recomendada pelo Ministério da Educação