Por David da Costa Coelho
Recebi hoje a noticia de que um amigo de longa data havia cometido [1]suicídio. Pode parecer premonição, mas tempos atrás escrevi um texto sobre esse tema, abordando não só as diversas formas, como também as linhas de pensamento históricas, sociais, culturais e religiosas que justificam tal coisa, bem como as criticam; dentro de cada contexto. Analisei sua vida, suas realizações familiares, religiosas e também de trabalho, na intenção de entender seus motivos. Tecnicamente ele era uma pessoa feliz e realizada, tinha só um filho, cursando direito na UFF, esposa enfermeira e bonita aos 42 anos, ele com 49 e policial civil, quase em vias de se aposentar, uma situação econômica e profissional estável; Sem nada que pudesse levar a essa decisão conflitante.
No entanto, foi o que ocorreu, mas não com sua pistola do serviço, acredito que mesmo se matando, não queria que a esposa e filho vissem seu rosto destruído, foi com remédios, se entupiu de um determinado comprimido que obteve de alguma forma, teve uma parada cardíaca sozinho em casa, a esposa o encontrou no chão, o frasco de remédio tarja preta estava no banheiro, completamente vazio. Como enfermeira, ela conhecia o poder daqueles comprimidos, e sabia que o marido não tinha receita para aquilo e nem usava tal coisa, o único remédio que ele tomava era um sonífero devido aos longos anos de plantão louco na policia. Quando estava em casa, às vezes não conseguia dormir e fazia uso deles para uma noite de sono, geralmente quando a mulher estava em plantão no hospital e ficava só em sua residência.
A esposa e ele eram católicos, casaram numa igreja de Niterói, bem antiga e famosa, mas acredito que ele fez isso mais pelo amor que tinha a esposa, pois nas muitas vezes que conversamos ao longo de anos, creio que via a religião um pouco diferente dela. Talvez por força de sua profissão e os inúmeros crimes que presenciou em suas diligencias na policia civil. Quanto mais me pergunto seus motivos, mais obscuros eles se tornam. Talvez a resposta esteja na [2]zona de conforto humana, aquela sensação que temos de que realizamos tudo que devíamos, não faltando desafios que nos estimule a continuar vivendo o personagem desta encarnação. Muitas vezes me senti nessa mesma zona, mas o fato de escrever, dar aulas, ser terapeuta reencarnacionista, ter inúmeras rotinas durante toda semana, me coloca em situações pelas quais eu necessite do oposto, me isolar numa ilha deserta por uns dias para ter sossego...
Nesta teria da zona do conforto, muito usada em países escandinavos, com altas taxas de suicídio, tendo em vista o alto padrão intelectual e financeiro de seu povo, uma sociedade praticamente igualitária, as pessoas se matam porque não há desafios em suas vidas, ou são incapazes de fazer isso, indo à busca das mudanças que os estimule a continuar vivendo. Contudo, novos dados apontam para outro provável culpado, ou seja, o sol. Descobriu-se que o suicídio é comum em países que tenham invernos longos e rigorosos, já que o sol é um importante antidepressivo natural, produz também a vitamina D em nosso corpo, além disso, estimulando a produção de serotonina, hormônio de bem estar, em sua ausência, o cérebro ficaria mais depressivo e as pessoas podem cometer tal ato final.
No caso de meu amigo, creio numa conjunção de fatores, mas principalmente acredito que sua vida era certinha demais. Trabalho, família, filho independente, uma esposa carinhosa e fiel, e ele alguém que jamais pulou a cerca – falamos sobre isso muitas vezes e ele era franco nesse assunto – os homens, diferentes das mulheres, salvo raras exceções femininas - não nasceram para aceitar uma vida cômoda e perfeita, temos o espirito ancestral de caçador em nós. Precisamos de desafios, conflitos e brigas. Um dos motivos de apreciarmos jogos e lutas se encontra nessa fase bárbara que extravasamos em torcer e gritar por esses instantes mágicos que nos afastam da mesmice diária. No passado, morrer em batalha ou briga por honra era o que nos motiva, hoje, temos como destino praticamente certo uma velhice longa, nos sentido vazios, inúteis. Meu amigo, em sua ânsia por questões que não puderam ser ditas a ninguém, decidiu terminar seus dias aqui na terra antes dessa hora chegar...
Não cabe a nós julgar ou criticar sua atitude, sei que sua família esta passando por maus momentos nessa hora, e sua esposa e filho, auxiliados por outros amigos e parentes, com certeza estão buscando em seus credos a resposta a tal coisa, inclusive temendo por sua alma, já que suicidas, segundo a liturgia católica estão condenados e nem se quer podem ser enterrados em solo sagrado cristão. Para sorte dele, tal coisa não será necessária, pois tinha um plano funerário, com o crematório sendo sua escolha de descanso eterno. A morte, nesse sentido, é uma libertação porque ele esta além desses lamentos religiosos e criticas de para aonde vai seu espirito. Ele, ao tomar os remédios, não se preocupou com os locais terríveis que as inúmeras religiões criaram para quem tira sua própria vida, acho que no final ele via a religião como mais uma desculpa para quem tem medo do ato extremo.
Como seu amigo, eu deveria estar triste por ele ter feito isso,mas não estou me sentindo nem um pouco dessa forma porque acredito em algo diferente. Sou mais um neste planeta que tem uma religião e aceita seus dogmas. No caso da minha, ele ira reencarnar em novo corpo para cumprir o tempo que lhe restava na terra. Como tal, sei que a vida aqui é apenas um instante, e tudo que vivemos, amamos e perdemos, diante de um tempo infinitamente grande, com outros corpos que viveremos não me permite tal lamuria. Aceitar as perdas é antes de tudo um ato de libertação de nós mesmos, diante de um passado sem volta que não permite mudanças. No meu entender reencarnacionista, ficar em lamurias, luto eterno e chorando a todo instante, reflete em nós a necessidade de manter um vinculo que não tem mais sentido algum.
Eu agradeço os bons e eternos instantes que desfrutamos, as longas conversas que tivemos sobre rotina policial, e as inúmeras vezes que me atendeu e tirou duvidas quando estava escrevendo Carrascos sem Distintivos; livro sobre uma equipe especial de policiais militares corruptos, e um delegado de policia civil, que espero um dia virar filme. De certa forma ele não morreu porque suas palavras auxiliaram na composição dos diversos personagens, assim como outro amigo policial militar, que auxiliou nas rotinas dos policiais de quartel. No final é isso o que a vida é, um filme com prazo para terminar, sendo que alguns definem a hora e lugar.
Só posso te desejar uma coisa, que vá em paz, sem que nenhuma reprimenda venha de mim, respeito o que fez, porque tirar a própria vida é um ato interpretado diferentemente em várias culturas. Se a nossa enxerga de forma oposta, apenas questão de geografia não mudará o que me contribuiu em vida, no sentido da amizade e experiência. Sei também que nós nos reencontraremos em alguma das reencarnações que me esperam, mas se isso também não ocorrer, valeu cada segundo que convivemos, até a próxima querido amigo...
[1] Pra finalizar, eu não poderia deixar de citar uma serie dos anos 1980, onde não havia recursos para manter o ultimo bastião da civilização em meio aos escombros da 3ª Guerra Mundial. Ali as pessoas viviam de forma intensa até os 30 anos, aos 31 eram levados para maquinas de extermínio... Em um dos episódios maravilhosos de Jornada nas Estrelas Nova Geração, encontraram uma civilização extremamente avançada e com um conceito de vida completamente diferente da humanidade, ao chegarem a idade de 60 anos, mesmo tendo tecnologia para viver milhares de anos, entravam em câmaras de extermínio pelo simples fato de estimular seus jovens a não se tolherem de nada enquanto não fosse a hora deles morrerem aos 60 anos, em seu aniversario, e comemorados por todos... Num certo sentido, diferente daquele povo da ficção, dos esquimós, aborígenes, e até dos suicidas, nos somos os verdadeiros seres que se matam, porque mantemos vidas sem ousadia, tememos decisões por motivos diversos, e ao final vimemos de elogiar ou criticar quem fez escolhas diferentes das nossas, mesmo em relação a exterminar sua própria vida.
http://oportaldoinfinito.blogspot.com.br/2013/01/as-razoes-emocionais-do-suicidio.html
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[2] A zona de conforto é o conceito base de qualquer aprendizagem, evolução ou transformação. A zona de conforto define-se por tudo aquilo que estamos acostumados a fazer, pensar ou sentir. É o habitual e conhecido para nós próprios. Incluí experiências positivas e negativas, comportamentos construtivos e destrutivos. Se quisermos aprender ou mudar qualquer coisa, necessitamos de sair do conhecido e aventurarmo-nos no desconhecido. Isto comporta um risco: todavia não sabemos o que se passará ou se seremos capazes de controlar a situação. Por isso a tendência natural é refugiarmo-nos naquilo que controlamos, a nossa experiência até à data, que assim se converte, por sua vez, no nosso refúgio e limitação. De fato, quanto mais experiências acumulamos, mais razões teremos para nos mantermos na nossa já “ampla” zona de conforto.