David Da Costa Coelho
No Japão, durante o período feudal, os samurais eram movidos por um código de ética e de vida chamado [1]Bushido, que regulava sua vida e deveres, bem como os faziam imunes ao temor da morte. Por isso, em batalhas eles eram insuperáveis como guerreiros porque lutavam por seu senhor com todo seu poder pessoal, para eles, a morte em confronto era considerada uma honra. No entanto, se fossem ordenados a cometer [2]seppuku, eles sentavam-se de forma calma e tranquila, declamavam um poema, cortavam o ventre, e no segundo seguinte um auxiliar samurai lhes decepava a cabeça. A morte de um samurai numa luta ou ritual de suicídio era tão comum quanto à vida, e ela era movida pela honra, sem a qual, para um samurai, um indivíduo não estava vivo.
Para os vikings, a morte em batalha era também a gloria suprema, sendo a alma do guerreiro levado diretamente pelas valquírias ao [3]Valhala, logo, morrer em combate era dedicar sua alma a Odin, portanto, envelhecer e morrer na cama, um destino inglório para um guerreiro, privado da imortalidade da alma, e da batalha final, chamada de [4]Ragnarök, no fim dos tempos. Os índios americanos tinham crenças semelhantes, pois ao morrer em lutas ou guerras, iriam para as pastagens cheias de búfalos no céu, onde Manitu os aguardava nas verdes pradarias divinas, em campos de caça e fartura, como seus guerreiros eternos. Assim, ao estudarmos a história de inúmeros povos, percebemos que eles possuíam uma forma diferente de ver a vida, bem como a morte.
Em contraste a estes povos, as nossas estórias, valores e imposições religiosas e culturais, como ‘civilizados’, acabam vendo o [5]suicídio como um ato nefasto, indigno de um ser humano, no entanto, cada indivíduo tem as suas razões pessoais para fazer esta escolha. Acredito que uma pessoa que chama um suicida de covarde, ao decidir por motivos próprios tirar sua vida, e realizar de fato esse ato, é antes de tudo um covarde e um desrespeitoso quanto à decisão daquela pessoa, pois foi feito de acordo com valores e convicções únicas. E quem o critica com seus valores, faz isso através de conceitos que nem são totalmente nossos, e sim herdados do contexto social e religioso que vivemos. É covarde porque esta fazendo critica a quem não mais esta aqui para se defender e explicar seus motivos. E como tal, cabe antes de tudo respeitar, gostando ou não...
Entretanto, para a maioria das pessoas, criticar o suicida, notadamente com viés religioso, é de longe uma das características marcantes de sua personalidade, devido à imposição de um conceito que teoricamente vira um código de moral e justificativas hipócritas, muito a quem do Bushido. Em nome de cidadãos que não mandam nada, a não ser eleger representantes, e governos corruptos e belicosos, que podem fazer guerras contra seus cidadãos, ou outros povos, oficializando massacres de homens, mulheres e crianças, muitas vezes feitos em ataques cirúrgicos e bombardeios humanitários, se é que isso existe. Justificam isso em nome de uma luta contra o mal, ou terrorismo, ou defesa de um modo de vida, a exemplo contra drogas ilícitas...
Contudo, quando se trata de um individuo declarar guerra a sua própria existência, a despeito da realidade que o cerca, e ele, por motivos diversos inerentes exclusivamente a sua pessoa, não mais deseja fazer parte do mundo dos vivos, por acreditar que a morte é a saída, aí não pode? É um crime contra a vida, um pecado, de acordo com uma religião imposta à custa de mortes e extermínio de milhões, por milênios? Lembrando que o criador do cristianismo, se levarmos em conta o conto de fadas religioso imposto, também foi um suicida indireto, pois tinha a informação de tudo que iria ocorrer e não moveu uma palha para mudar algo, e sim se entregou a situação proposta, para supostamente salvar o mundo dos pecados?
Como dito, a hipocrisia e ausência de questionamentos a qualquer dogma, ou sistema, é o que permeia as criticas dos vivos, aos que cometerem o supremo ato de não querer mais fazer parte deste conto de fadas e terror que chamamos de vida. Embora saiba que ninguém ficará aqui para sempre, escolher ir à frente, por seus próprios meios, é um motivo que somente lhe cabe, e que gostemos ou não; não há como impedir. Atualmente o suicídio em vários países do 1º mundo esta em alta porque o neoliberalismo, como um câncer criado pelo sistema de governo dominante, destruiu as bases de um mundo que tinha tudo para atender seus cidadãos, e não apenas um grupo específico, o de ricos mesquinhos e canalhas; os vampiros modernos que dominam tudo, de forma subliminar...
Há inúmeros perfis de pessoas que podem buscar o suicídio, com motivos tais que daria uma nova área de estudo para a psiquiatria. Desde aquelas que passam por um grande sofrimento pessoal, que não veem luz no final do túnel, a exemplo de idosos aposentados de Portugal, que tiveram suas pensões reduzidas pelo estado, para pagar dividas que eles não fizeram, depois de trabalharem uma vida inteira para se aposentar com dignidade, o que ganhavam de pensão foi reduzido pelos governantes, com o objetivo de pagar dividas da má gestão do país. Esses idosos não conseguem suprir suas necessidades de alimentos e remédios, o que acaba onerando seus filhos e netos, daí o suicídio como solução deste fardo e vergonha pessoal. Portugal, dentre todos os países europeus, esta na vanguarda de suicídio de idosos...
Como dito nos expostos, o suicídio tem inúmeras justificativas, inclusive ver e saber um mundo de coisas que só uma idade avançada permite, contudo, sem um corpo sadio e plenamente satisfeito em suas necessidades físicas e mentais, para poder executá-las. Com base nisso, a pessoa se pergunta por que deve continuar insistindo em viver uma vida que nada lhe traz de bom? Assim como os idosos por motivos pessoais, em alguns casos, muitas pessoas de meia idade também vivem esse desejo de extermínio próprio porque se sentem velhos e sabedores de tudo aquilo que teriam num futuro distante.
Em minha religião, que é reencarnacionista, chamamos a isto de almas velhas. São pessoas que reencarnaram milhares de vezes e por um motivo específico, acabam acessando grande parte do saber e conhecimento anterior a sua vida atual. Ao contrário do que se imagina desse saber, em alguns casos para determinadas pessoas que seguirão a linha de dar fim à vida, isso leva a pessoa a se sentir um idoso no corpo de um jovem. Digo isso porque também padeço desse estigma, sem ter, no entanto desejos suicidas, mas me sinto em muitos casos um alienígena, ao conviver com pessoas que me entediam em todos os sentidos, intelectual principalmente, salvo raras exceções. Elas o fazem porque sua capacidade de superar as besteiras impostas pela sociedade, de forma ampla, infelizmente não é possível, ao passo que os de alma velha já transcenderam esse instante da vida há muito tempo...
O conhecimento e a insatisfação com pessoas pedantes e pequenas também enseja uma tristeza que se finda num desejo suicida. O caso mais recente de suicídio de uma pessoa que supostamente tinha tudo que um ser humano desejaria, em idade plena para desfrutar a vida, e que e motivos para continuar vivendo assim, é a da estilista L'Wren Scott, que foi namorada do cantor Mick Jagger. Aos 49 anos, ela simplesmente deu adeus a esse mundo, legando seu patrimônio ao ex-namorado e roqueiro famoso. As razões dela, como sempre, pessoais e inquestionáveis, refutam uma vida sem graça, e que para ela não havia mais sentido em manter. Ela não foi e nem será a última pessoa rica e famosa a abraçar tal destino, porque o mesmo é feito de forma explicita, ou através do uso de drogas que no final serão terminais, como no caso de Amy Winehouse, que morreu por excesso de álcool, mas que ainda mais nova tentou também o suicídio de fato.
O fato de ter entre 35 e 50 anos, com saúde, bens financeiros e ainda assim não ver graça em mais nada, e sim aborrecimento e tédio diário, onde o corpo é uma prisão luxuosa, e sua vida pessoal, seus amigos e familiares, bem tudo como tudo o mais que o cerca, passam a ter tanto sentido quanto a fumaça de um escapamento de carro; Então, para muitos desta linha, assim como a estilista, o fim próprio é o caminho escolhido. Entre pessoas mais jovens também o suicídio não é tão estranho, ao contrario, é muito comum em uma grande quantidade de nações ricas e pobres. Em [6]países frios este também associado aos raios do sol em menor quantidade, levando as pessoas a ficarem mais reprimidas em suas casas e mundos pessoais, onde interage menos com outros indivíduos, assim, por motivos climáticos, dar fim a vida também se torna uma opção.
Por tudo que foi dito, chegamos à resposta da questão, o suicídio, por qualquer motivo que seja, em minha opinião, é um ato de coragem porque o seu mentor analisou, sob sua ótica, todas as questões inerentes antes de deixar a vida. Se você, ao ler esse texto, discorda do que eu digo, é um direito seu, mas ainda assim não muda o estado de morto suicida para vivo, aquele que já se foi por escolha própria. A vida esta muito além do que comemos, pensamos ou acreditamos, ela é uma sucessão de dias, e se não temos plenitude em cada um deles, com certeza, em algum lugar do mundo, neste momento, alguém esta deixando a vida por escolha própria...
[1] Bushido, o "caminho do guerreiro" - era um código de honra não escrito e um modo de vida para os samurais, que fornecia parâmetros para esse guerreiro viver e morrer com honra. Para essa classe guerreira, seguir o bushido, era dar ênfase à lealdade, fidelidade, auto-sacrifício, justiça, modos refinados, humildade, espírito marcial e honra acima de tudo, morrer com dignidade, podendo ser em batalha, em ritual de sepuku, ou de velhice na cama.
[2] Seppuku ou Harakiri faz parte do código de honra do samurai, consiste na obrigação ou dever do samurai de suicidar-se em determinadas situações, ou quando julga ter perdido a sua honra. Significa literalmente "corte estomacal". Após o corte, um auxiliar do samurai lhe cortava a cabeça, num golpe certeiro. Geralmente era acompanhado por um poema de morte: -“Viva breve, mas gloriosamente. A vida passageira de alguém é apenas uma preparação para a morte. A queda da flor é comovente quanto é bela no galho e no momento final, como feito em cerimônia no ritual de seppuku, é realmente um momento de verdade”. (Jack Seward's "Hara-Kiri"— TUT 1968 — A Good Introductory Guide.)
[3] Valhala é um majestoso e enorme salão situado em Asgard, dominado pelo deus Odin. Escolhidos por Odin, metade dos que morrem em combate são levados para Valhalla, após a morte pelas Valquírias, enquanto que a outra metade vai para os campos Folkvang da deusa Freyja. Em Valhalla, os mortos se juntam às massas daqueles que morreram em combate conhecido como Einherjar, bem como vários heróis lendários da mitologia germânica, que se preparam para ajudar Odin durante os eventos do Ragnarök.
[4] Na mitologia nórdica, Ragnarök é uma série de eventos futuros, incluindo uma grande batalha anunciada que resultaria na morte de um número de figuras importantes (incluindo os deuses Odin, Thor, Týr, Freyr, Heimdallr, Loki), a ocorrência de vários desastres naturais e a submersão subsequente do mundo em água. Depois, o mundo ressurgiria de novo e fértil, os sobreviventes e os deuses renascidos se reuniriam e o mundo seria repovoado por dois sobreviventes humanos.
[5] Se olharmos o mundo consumista e perverso que habitamos, dia a dia ele nos imputa alguma forma de suicídio menos visível, no entanto muito mais perverso, seja com alimentos contaminados ou cheio de coisas malignas a nossa saúde, com nomes diversos contendo a mesma coisa nefasta para nos enganar, vícios em drogas, em ideologias ou religiões punitivas ou fundamentalistas, mesmo as de cunho reencarnatório, nem sempre as boas intensões são o reflexo da intenção proposta...http://oportaldoinfinito.blogspot.com.br/2013/01/as-razoes-emocionais-do-suicidio.html
[6] Um milhão de pessoas por ano se suicidam, uma quantidade maior que o total de vítimas de guerras e homicídios, um problema que se agrava, segundo o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) publicado em Genebra. A OMS destacou que as taxas de suicídio mais elevadas são as dos países do leste da Europa, como Lituânia ou Rússia, enquanto as mais baixas se situam na América Central e do Sul, em países como Peru, México, Brasil ou Colômbia. Estados Unidos, Europa e Ásia estão na metade da escala e não há estatísticas sobre o tema em muitos países africanos e do sudeste asiático.