Por David da Costa Coelho
Daniel era uma pessoa pacifica e inteligente, um bom ser humano por natureza. Embora fosse professor de educação física, e tivesse que ser rude com inúmeras alunas mais ousadas em suas aulas, doidas que o professor bonitão lhes desse alguma chance, coisa que ele jamais faria. A vida dele era plena, cheia de diversão e futuros compromissos. Nos fins de semana mais ainda porque participava de jogos de vôlei, futebol, basquete... E como não era de ferro, saía com muitas admiradoras de sua idade para os prazeres da carne. Mas desde cedo deixava bem claro para elas que era livre, e se quisessem sair e se divertir com prazer sem compromisso, ótimo, caso em contrario, nada feito.
Como parte dessa vida feliz, ele tinha uma família maravilhosa, uma irmã caçula de 15 anos, que também pretendia se formar em educação física, um pai advogado e uma mãe médica. Possuíam um sitio distante em Pedra de Guaratiba, um local paradisíaco do RJ, aonde iam uma vez por mês com outros amigos e parentes, e lá recarregavam as energias. Um feriadão havia chegado e essa reunião estava marcada. Seus pais foram no carro da frente com a irmã dele, enquanto ele ia atrás num bom papo com os amigos no carro.
No entanto, um estranho presságio lhe percorre a espinha, num calafrio repentino de perda, pois de seu retrovisor, ele observa um motorista maluco fazendo ultrapassagens perigosas nas pistas, e como sempre dirigia tranquilo, em meia velocidade, sabia que estava livre do maluco no volante, só que o carro que vinha atrás não respeitava pista, vinha costurando entre elas e os carros, na ânsia de ultrapassar aqueles motoristas que demoravam a dar passagem. Em uma destas, ele o ultrapassou de forma perigosa e chegou ao carro de sua família, mas desta vez sua manobra fez com que outro motorista perdesse o controle, e houve uma colisão generalizada dos três veículos. Logo, outras se seguiram e por pouco ele também não bate. Mas seu desespero na alma já era evidente, o carro da sua família estava em frangalhos.
Após a chegada da polícia e dos bombeiros, a verdade que consumia sua mente era uma só, sua irmã e seus pais estavam mortos. Assim como outras pessoas naquele dia fatídico, vítimas de um louco ao volante. O motorista que causou o acidente também morreu, mas seus passageiros, um deputado estadual e um juiz, por sorte, estavam apenas com escoriações porque o veiculo era blindado e com inúmeros apetrechos de segurança. Já o motorista não teve tanta sorte, e como ele estava dirigindo, a culpa do acidente foi imputada a ele, e não ao seu patrão juiz, que lhe dera a ordem de chegar rápido ao destino desejado.
Após o crematório de sua família, Daniel era outra pessoa, estava transtornado, e de licença de suas escolas devido ao [1]transtorno pós-traumático. Embora estivesse fazendo um mestrado na época do acidente, também não prosseguiu e trancou a matricula. Estava obstinado em saber quem eram aquelas pessoas que saíram impunes do crime. Achava que isso não podia mais ocorrer porque o Brasil estava passando à limpo os políticos corruptos, mas pelo que ele via, nem todos eram alvos da lei. Como sempre, ela sempre fazia curvas protetoras para alguns tipos específicos com poder e dinheiro.
Em sua reclusão, na sua piedade por si mesmo em não aceitar a morte de seus entes queridos, ele se entregava a filmes e séries de terror, crimes e mortes, [2]Dexter era seu preferido e assistiu todas as temporadas. Não sabia muito daquilo que via nos filmes, pois até então, vivia em seu mundo lindo e perfeito, mas agora as coisas mudaram. Passou a ter as mesmas razoes e motivos deles, que eram sempre vingança ou alguma coisa macabra, pelos quais os personagens davam sentido as suas vidas.
Em sua casa ele tinha imprimido inúmeras fotos do juiz e do deputado que estavam no carro, e a única coisa que o nutria nesses dias era o ódio àquelas pessoas. O pensamento de matá-los, vê-los comidos por vermes no cemitério o devorava, já havia até comprado uma arma ilegal através de um amigo que morava numa favela. Contudo, ele não queria ser preso, a exemplo dos policiais que tinham matado uma juíza anos antes no RJ. Eles foram pegos pelo sistema de câmeras e depois por conversas de celular, em resumo, deixaram pistas...
Em sua sanha por vingança ele tinha que ser acadêmico, e a primeira coisa a fazer era aprender a usar armas e explosivos. Para isso ele se inscreveu-se numa escola para vigilantes, após o termino dele, fez o de agente patrimonial e segurança pessoa, além de outro extensivo a carro forte, onde usaria armas mais pesadas. O sabor amargo da demora na vingança só lhe fazia se aplicar ainda mais em seus estudos. Ao final dos cursos, foi para o Paraguai, e ali comprou armas que no Brasil não teria acesso e treinou com todas, aprendeu também a montar e desmontar cada uma delas, e também a usar o [3]silenciador. Desde a invenção das armas de fogo, na opinião dele, aquilo foi à evolução na arte de matar porque o silencio das balas voando, como um beijo quente a caminho, era rápido, lindo e mortal.
A segunda parte do plano consistia em levar os explosivos, os rifles de longoalcance, munição, as pistolas e silenciadores para o País, ai entrou em cena a pesquisa de como os policiais pegavam as mesmas de traficantes e contrabandistas, assim fundo falso de carros e caminhões estava fora de questão. Levar as mesmas em alguma caixa de fruta ou verdura era a opção lógica, mas caminhões também passavam por alfandega e pesagens na pista. Felizmente a fronteira do Paraguai com o Brasil era extensa, e caminhos noturnos para isso não faltaria. Ele consegue passar de carro por regiões sem estradas oficiais, munido de um GPS, ao mesmo tempo em que monitora as conversas da policia com rádios e bloqueadores de sinal que tinha comprado, estando a frente dos inimigos pelo conhecimento que tinha previamente...
Com cuidado, viajando só à noite, finalmente ele chegou a sua casa. Com a informação de como havia passado com aquele arsenal a policiais corrutos – ele conhecia alguns – ou a bandidos, poderia ganhar muito dinheiro, no entanto, a única coisa de valor que ele desejava era matar um juiz e um deputado. A segunda parte de seu aprendizado foi retornar as aulas de informática. Fez inúmeros cursos na juventude, e quase se tornou um hacker, porém, o amor à educação física foi maior que o mundo virtual. Mas como a noite, que não quer ceder sua escuridão ao sol, uma hora ela se rende e o deixa retornar, e ele esta de novo fazendo um curso de aperfeiçoamento...
Como ele era bom, com um codinome antigo, retorna ao sub-mundo da net e adquire o saber daquilo que deseja. Participa de jogos e invasões, com perfil e imagem falsa, além de IP não rastreável, e desafia os colegas da rede numa espécie de jogo, onde eles devem rastrear os dados de pessoas famosas só por diversão, ou seja, descobrir tudo, sem que eles soubessem. Assim, nesse joguinho inocente ele agora conhecia tudo sobre o juiz e o deputado, bem como seus números de celular que ele clonou, e podia ouvir cada conversa deles. E também, através do GPS das empresas prestadoras do serviço, aonde suas futuras vitimas iam e se encontravam.
O primeiro da lista era mais fácil, um politico em campanha, andando por locais cheios de gente, em comunidades carentes ou favelas atrás de votos. Com o celular ele sabia toda a agenda do candidato, e até mesmo os hotéis que frequentava com as amantes ou ‘secretárias da campanha’. Geralmente nestas horas estava mais tranquilo e sem segurança. Ele esperou o candidato entrar no hotel, se divertir, e ao sair as quatro da manha, pois tinha uma reunião de campanha na rocinha às 8 horas, foi só, dirigindo seu carro, enquanto a amante permaneceu no hotel.
Ao chegar a uma distancia média, o carro blindado explodiu. Horas antes, Daniel seguiu o politico e havia entrado no hotel como cliente, com barba e cabelo grande e chapéu. O carro era velho e depois seria queimado. Foi com uma prostituta, e enquanto a deixava tomar um banho e tomar todas, disse a ela que tinha que ir ao carro pegar algumas coisas. Trouxera C 4 e colocou nas quatro calotas de rodas e no tanque de gasolina, deixou o hotel uma hora depois e invadiu o sistema de câmeras e deletou sua imagem e entrada no recinto, depois aguardou a hora de detonar via rádio as bombas...
A explosão foi gigantesca, o deputado Pedro Sampaio foi cozinhado vivo dentro do carro, a noticia de sua morte foi interpretada como um crime politico, porque o parlamentar tinha inimigos em varias frentes. Nenhum deles seria um professor, cujos pais tinham sido mortos por um motorista louco. Para Daniel, o sabor da vingança estava menos amargo, mas ainda queimava ao saber que o juiz ainda estava vivo. Contudo, não por muito tempo, pois um plano já testado, apesar de todas as suas falhas, se corrigido, ainda é um bom plano. Assim como a juíza inocente e morta, esse juiz - canalha - também tinha casa na zona oceânica de Niterói, cidade do estado do RJ.
Ele se sentia seguro e intocável porque tinha escolta pessoal, e o local que vivia, um condomínio residencial, era cheio de câmeras. Sua casa tinha alarmes, cercas elétricas, cães e a única coisa que ele fazia contra sua segurança era ir à praia, a noite tomar banho de mar com os amigos ricos e pescar. Assim ele estava seguro, ou pensava que sim, pois era um homem de hábitos, e como sabemos, alguns deles podem ser perigosos. Um barco de pesca com motor o levou para bem próximo ao local de pesca do juiz e seus amigos e também jogou seu anzol para pescar sem pressa, afinal foi alugado por três dias em nome de alguém que nem estava mais vivo, afinal ser hacker tem suas vantagens...
O juiz gostava de pescar bem próximo à água, enquanto fumava um charuto cubano. Os amigos geralmente partiam antes dele, já que era sempre o ultimo a ir, pois adorava os primeiros raios de sol da manha, na paz de mais um fim de semana. Depois que os parceiros se retiraram, o barco se aproximou dele, numa distância segura para tiro de precisão, e logo inúmeros focos de luz brilharam, as balas silenciosas cortaram o amanhecer, a caminho do peito do juiz, onde várias delas destroçaram-lhe o tórax e a areia ficou inundada de sangue.
Quando seu corpo foi encontrado naquele estado macabro, a mídia e os jornalistas do espetáculo, aqueles de programas de teve sensacionalistas fizeram a farra. Os suspeitos de sempre foram os que o juiz estava julgando, a exemplo de policiais corruptos e bandidos. O governador do estado ordenou uma caçada humana aos assassinos, pois moveria rios e fundos para prender e condenar os criminosos. Ao ouvir aquilo em casa, no conforto de sua sala, saboreando uma caipirinha com água de côco, Daniel apenas olha para a foto da família e sorri; afinal, assim como ele esperou por justiça, certamente o governador teria que se reeleger em 100 mandatos para fazer a sua. A única falha que encontrou em seu plano seria acharem as capsulas de balas que estavam no oceano, mas ainda assim não havia impressões digitais nelas, pois ele jamais carregaria uma arma sem estar de luvas...
[1] O transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) é um distúrbio da ansiedade caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais em decorrência de o portador ter sido vítima ou testemunha de atos violentos ou de situações traumáticas que, em geral, representaram ameaça à sua vida ou à vida de terceiros. Quando se recorda do fato, ele revive o episódio, como se estivesse ocorrendo naquele momento e com a mesma sensação de dor e sofrimento que o agente estressor provocou. Essa recordação, conhecida como revivescência, desencadeia alterações neurofisiológicas e mentais.
[2] Dexter foi uma série televisiva americana de drama/suspense centrada em Dexter Morgan (Michael C. Hall), um assassino em série com diferentes padrões que trabalha como analista forense especialista em padrões de dispersão de sangue no departamento de polícia do Condado de Miami-Dade. Valendo-se do fato de ser um especialista forense em análise sanguínea e de trabalhar no Departamento de Polícia de Miami, Dexter, de um modo bem meticuloso e sem pistas, mata criminosos que a polícia não consegue trazer à Justiça. Ele organiza seus assassinatos em torno do "Código de Harry", um apanhado de regras e procedimentos desenvolvidos por seu pai adotivo, Harry, para garantir que seu filho nunca seja preso e assegurar que ele mate apenas outros assassinos. Harry também treinou Dexter quanto a interagir convincentemente com outras pessoas apesar de ser um sociopata. Seus relacionamentos desenvolvidos durante a série, no entanto, acabam por complicar seu estilo de vida duplo e a levantar dúvidas quanto a sua necessidade de matar.
[3] Silenciador, supressor de ruído ou abafador, é um dispositivo que diminui a velocidade com que os gases produzidos pela explosão no interior das armas de fogo são expelidos do cano da arma, diminuindo assim o som do disparo. Trata-se de um cilindro (fixado ao fim do cano da arma) que contém diversos câmaras separadas por abafadores de metal com orifícios em seu centro. Quando a bala atravessa o silenciador, passa por estes orifícios, por onde os gases entram e se espalham pelas câmaras antes de serem expelidos. Os silenciadores permitem que os gases da atmosfera alcancem o projétil antes do disparo, diminuindo o som do disparo.