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CONTOS DE TERROR: A FEITICEIRA...

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Por David da Costa Coelho

Natasha, com certeza era a mulher mais linda do mundo, sua aparência perfeita lhe dava a idade ideal de 30 anos, seus cabelos loiros, pesados e cheios a fariam estrela de qualquer filme ou comercial, o corpo perfeito e atlético daria inveja a qualquer [1]guerreira amazona; aliado a isso ela ainda era aquilo que os neurocientistas chamam de gênio, era tão inteligente que seus padrões estariam fora da escala de qualquer seu humano que entrou para história, isso porque ela não era humana há milhares de anos e sim uma bruxa; apesar de tudo isso, era prisioneira de muitos passados e de futuros que não deseja, mas sua imortalidade a impelia a continuar...
Ela nasceu nas estepes siberianas milênios atrás, desde a infância prometida ao chefe da tribo, um homem que tinha 40 anos quando ela ainda estava na barriga de sua mãe. Por alguma razão além da compreensão humana, sua beleza era tão grande que ele não podia esperar a primeira [2]menarca dela para tê-la como mulher. Perder sua virgindade aos 10 anos, com aquele homem bronco e asqueroso foi um trauma que levaria séculos para se curar. Mas ela tinha uma vantagem que ninguém de sua tribo possuía, era a sobrinha de um Xaman muito poderoso, e para que sua sobrinha suportasse o trauma daqueles momentos horríveis que se seguiam após ser estuprada, todos os dias que ela era obrigada a se entregar ao marido, ele enviava a alma dela para o limbo, deixando ali apenas a carne humana a ser usada de forma abusiva por aquele ser...
Ao longo dos anos o sofrimento dela aumentou porque sua beleza atingiu limites que nenhuma mulher de seu povo, ou de qualquer outra parte do mundo jamais possuiria, e a sanha sexual de seu dono e marido só aumentava, contudo, mesmo fazendo sexo diariamente ela não engravidava. Todas as demais esposas dele já havia lhe dado inúmeros filhos, mas ela não ficava gravida, ou melhor dizendo, ficava sim, mas as futuras crianças ficavam retidas como óvulos em seu útero por mágica criada por seu tio, como punição ao homem que destruiu a infância de sua querida sobrinha. Quando ele morreu, ela ficou gravida pela primeira vez e deu a luz a uma menina tão linda quanto ela. A chefia da tribo ficou para um dos filhos mais velhos dele, que a tomou como mais uma de suas esposas e a devorava sexualmente todas as noites. Seu desejo era que ela lhe desse um filho homem, ao mesmo tempo que já cobiçava a irmã menor, por parte de pai...
Natasha, entretanto, não estava disposta a ver sua filha de oito anos seguir o mesmo destino que a massacrava há três décadas, pediu ao tio para lhe ensinar magia, ela queria ser sua sucessora porque ele já estava muito idoso e as portas da morte. Embora tivesse outro discípulo, sua sobrinha vinha em 1º lugar, e assim foi feito. Com os dons que o tio lhe ensinou, o primeiro feitiço que fez foi para que seu marido atual a deixasse em paz, pois ao se aproximar dela com intenções sexuais, ficaria doente, e assim poderia ficar cuidando da filha. O feitiço funcionou perfeitamente, mas teve um revés que ela jamais imaginou, pois sua filha foi violada por ele, e morreu um dia depois de hemorragia. Se alguém já imaginou a dor de uma mãe ver sua filha morrer antes dela, na infância, imagine saber que o homem que matou sua filha era meio irmão dela e ainda marido da mãe, nunca um desejo de vingança foi tão devastador quanto o que nutria por aquele ser, e sua vingança deveria ser a altura do que sua filha sofreu...
O ódio descomunal tomou conta da jovem aprendiz de bruxa, mas de sua boca não saia palavras, apenas lampejos de ódio e pesar. Seu tio afastou-a por alguns dias para um retiro de purificação, ao retornar, ele lhe perguntou se ele desejaria se vingar de uma forma que só um ser sobrenatural poderia, eternamente, mas que isso teria um custo muito além de sua dor. A reposta dela não veio em palavras, mas num olhar perdido que definia tudo. Ela e o tio enfeitiçaram o marido dela e o deixaram muito doente, aos cuidados de suas esposas, dando à Natasha o tempo e liberdade que precisava para se dirigir a tenda de pele de animais na floresta, onde seu tio lhe aguardava, e iria lhe dar o maior de todos os dons, junto com sua vida e de muitos outros, e da própria carne e sangue dela, ele sendo o primeiro; Mas ao final ela teria a sua vingança e algo muito mais duradouro, a eternidade.
Durante horas ele e ela entoaram cânticos místicos, as pedras redondas aquecidas no fogo externo, e levadas para dentro da tenda, elevaram a temperatura interior a níveis de fazê-los suar em pleno inverno das estepes. Ela entrou em transe e os inúmeros filhos que ela carregava na barriga, assim como os da deusa [3]Gaia, começaram a nascer um a um, magicamente, mas em segundos se convertiam em luz e passavam a energia da vida que possuíam para as pedras no circulo perfeito que faziam. Foram dois dias de parto e transe, e ao final o velho homem estava às portas da morte, restava-lhe então um ultimo feitiço. Ele deitou sua sobrinha nua de costas, pegou todas as pedras e colocou nas laterais de seu corpo, dando lhe sua forma feminina. Elas começaram a brilhar e a energia da vida contida nelas voltaram para Natasha, como um renascimento.
Ao terminar o feitiço, ele deitou-se ao lado dela, fechou os olhos e sua alma deixou seu corpo, juntamente com todo poder que possuía, e que se perderia para sempre se ele não tivesse feito o mesmo feitiço que envolveu os bebês.  A alma virou luz, entrou numa pedra colada a cabeça de Natasha, e dali sua energia mergulhou para o corpo dela, conferindo-lhe algo que só os vampiros possuíam; a imortalidade. Ao acordar, com a boca seca e amarga, faminta, manchada de sangue, ela percebe o corpo seco e sem vida de seu tio. Uma dor imensa em seu peito por mais uma perda a deixa em prantos, queria deixar as lagrimas inundarem um lago, mas no seu íntimo, sabia que ali só estava uma casca e devia seguir em frente. Retornou a sua aldeia, mas não havia ninguém ali, apenas as roupas e sandálias de pele. Ela não sabia, mas o mesmo feitiço que seu tio fez, refletiu em todo seu povo, e assim como seus filhos, os corpos e almas deles foram para as pedras enfeitiçadas e agora ela estava não só vingada ao extremo, como sozinha, imortal e livre, numa época em que a raça humana ainda estava dando os primeiros passos rumo à civilização.
Das estepes russas ela foi conhecer o mundo, como herdeira de seu tio, e de seu povo, ela era a personificação de uma deusa em pessoa, e seus poderes iluminados e macabros atraíram todas as criaturas sobrenaturais, sua beleza e sensualidade era a primeira coisa que os atraia, o segundo eram seus dons. Mas como dito ela não era mais humana, e os lados que herdou, sem alguém para contrapor e ficar no meio de suas escolhas, nada a impedia de fazer o que desejava. Nenhuma daquelas criaturas era capaz de fazer nada contra ela, ao contrario, por sua força e poder, acabavam sendo seus fieis escudeiros, amantes e serviçais. Numa de suas insaciáveis taras sexuais fez sexo com um vampiro de dez mil anos, e ao mordê-la de forma inconsciente, ele secou e virou uma múmia, mas graças a um feitiço e muito sangue de crianças recém nascidas, mais de uma centena, ela o trouxe de volta a vida.
Essa era sua sina, imortal, invulnerável, e ainda havia o pior de todos os castigos, por ser linda, todos os homens se apaixonavam por ela, e muitas vezes ela os amou de forma idêntica, o resultado era engravidar e ter filhas tão lindas quanto ela. No entanto, ao completarem a mesma idade de sua filha de oito anos, morta milênios atrás, elas morriam, as pedras mágicas apareciam, a essência delas era novamente convertida em luz e retornavam para Natasha. A dor que sentiu por ter novamente uma filha sua morrer em sua frente foi tão intensa quanto à primeira. Ela não acreditou no que havia ocorrido, e seu coração experimentou novamente o amor e a paixão, apenas para ter novamente a mesma e terrível experiência anos depois. Estava fadada a não mais amar seres humanos, apenas criaturas sobrenaturais... Pois assim como [4]Cronos, ela devorava suas filhas, mas ao contrario do deus grego, não havia como trazê-las e volta à vida porque nenhum deles podia se vingar dela.
Essa era de todas as vividas, a maior das tristezas de Natasha, uma imortalidade vazia, uma vida sem paixões humanas, um lar, filhos ou um marido para poder amar, ver envelhecer e morrer, pois era imortal e aceitava isso como algo no ciclo da vida. Por ser a maior das dores de uma mulher perder um filho, ela decidiu depois de milênios que não importava o tempo de vida de suas filhas e sim o que era possível viver com elas. Deixou-se apaixonar novamente por um homem e teve filhas com ele, a cada ano uma linda menina vinha ao mundo, e a cada oito anos elas morriam e retornavam ao corpo da mãe. Um dia ela decidiu entender porque isso ocorria, ao lembrar das palavras de seu tio de que haveria um preço.
Voltou às estepes da Sibéria no verão, dirigiu-se para o local hoje isolado onde antes ficava seu povo. O vento frio e cortante não a incomodava, era como um afago da terra natal, ao seu lado levava uma filha de sete anos. Sabia que em breve a perderia também, mas desta vez queria perguntar a alguém muito especial o motivo. Assim como há milhares de anos, ela fez uma tenda circular de pedras, fez uma fogueira, aqueceu as pedras e levou para a tenda onde sua filha já estava em transe. As mesmas palavras ditas por seu tio agora saiam da boca de sua filha porque naquele lugar ainda estava parte da essência do que um dia ele foi, e assim ela ouviu a voz dele pela primeira vez em milhares de anos:
- Não há nada mais doce e amargo que o sabor da vingança, e por milênios você tem saboreado todos eles, contudo, chega uma hora que é preciso trocar de alimento porque mesmo a maior das dores uma hora passa, mas depende apenas de você se perdoar. Mas saiba, quando fizer isso, será a sua hora de partir, e tudo que foi e viveu deixará de existir, e passará para a sua filha. Assim como ocorreu comigo, você deixará de existir e ela será o que você é hoje, mas sem a carga e maldição que carrega. Quer mesmo deixar de viver e dar isso a ela?
Natasha ouviu as palavras do ser incorporado em sua filha, sabia que restavam poucos meses para ela morrer, e que poderia muito bem atender as palavras dele, mas após milhares de anos vivendo como o ser mais poderoso da terra, por que deixaria de ser o que nasceu para dar a outra pessoa, ainda que sua filha, o dom da eternidade e poder supremo? Em sua mente os milhares de momentos vividos, bons e maus, despertaram com força total, e mesmo olhando nos olhos de sua filha, ciente de que poderia lhe dar poder e vida eterna, ela não estava disposta a isso.
Retirou a menina do transe, voltou para casa, viu novamente sua filha morrer e foi experimentar os prazeres que só uma deusa poderia. A vida não era perfeita, com certeza muitas dores ainda a consumiriam nos milênios que se seguiriam, mas diferente de todas as mulheres do mundo, apesar de dar a vida a um filho, trata-las com amor e carinho, ela jamais morreria por nenhum deles, pois assim como os vampiros, era uma predadora, e como tal sua vida era mais importante do que a de qualquer ser vivo...






[1] As Amazonas eram as integrantes de uma antiga nação de guerreiras da mitologia grega. Entre as rainhas célebres das amazonas estão Pentesileia, que teria participado da Guerra de Troia, e sua irmã, Hipólita, cujo cinturão mágico foi o objeto de um dos doze trabalhos de Hércules. Saqueadoras, as amazonas eram frequentemente ilustradas em batalhas contra guerreiros gregos na arte grega, nas chamadas amazonomaquias.

[2] Menarca é a primeira menstruação feminina, é o limite entre a infância e a vida adulta, o momento em que a menina começa a exercer seu ciclo reprodutivo, a fase em que precisa passar a enfrentar responsabilidades com seu corpo e sua família.

[3]Gaia é a deusa da Terra, a Mãe Terra, como elemento primordial e latente de uma potencialidade geradora incrível. Gaia gera sozinha Urano, Ponto e as Óreas, Urano, os 12 Titãs: Oceano, Céos, Crio, Hiperião, Jápeto, Teia, Reia, Têmis, Mnemosine, a coroada de ouro Febe e a amada Tétis; por fim nasceu Cronos, os Ciclopes e os Hecatônquiros (Gigantes de Cem Mãos e Cinquenta Cabeças).

[4]Cronos casou com a sua irmã Reia, que lhe deu seis filhos (os Crónidas): três mulheres, Héstia, Deméter e Hera e três rapazes, Hades, Poseidon e Zeus. Como tinha medo de ser destronado por causa de uma maldição, Cronos engolia os filhos ao nascerem. Comeu todos exceto Zeus, que Reia conseguiu salvar enganando Cronos enrolando uma pedra em um pano, a qual ele engoliu sem perceber a troca. Quando Zeus cresceu, resolveu vingar-se de seu pai, solicitando para esse feito o apoio de Métis - a Prudência - filha do Titã Oceano. Esta ofereceu a Cronos uma poção mágica, que o fez vomitar os filhos que tinha devorado. Então Zeus tornou senhor do céu e divindade suprema da terceira geração de deuses da Mitologia Grega ao banir os Titãs para o Tártaro e afastou o pai do trono, e segundo as palavras de Homero prendeu-o com correntes no mundo subterrâneo, onde foi encontrado, após dez anos de luta encarniçada, pelos seus irmãos, os Titãs, que tinham pensado poder reconquistar o poder de Zeus e dos deuses do Olimpo.


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