AUTOR: DAVID DA COSTA COELHO
Uma vez um [1]xamã de uma província distante da Índia recebeu de seu mentor - já às portas da morte – o título e os itens sagrados que deveria carregar a partir de então porque como o novo feiticeiro da tribo, desse dia em diante ele não era mais um homem comum, e sim uma alma em comunhão com a natureza, podendo fazer uso da energia espiritual que existe em todo ser vivo para curar ou ajudar outras pessoas; contudo, isso jamais deveria ser feito em proveito próprio porque o poder era como uma gota d’água que se acumula, transforma-se num rio e por último desagua e se torna o mar se usado em excesso e sem controle. Ou seja, quanto mais seu uso para prazeres pessoais, maior ele se tornava, e se não fosse humilde, o poder despertaria nele um mal que nenhum ser humano poderia deter...
Ganeshe era esse homem sagrado, e como Xamã, sua função não lhe dava o direito de casar e ter filhos, então seu herdeiro e substituto dentro de algumas décadas deveria vir de alguém que ele escolhesse, podendo ser de sua família, ou de qualquer outra que ele desejasse, e como tal, ninguém da tribo poderia se recusar a obedecer qualquer uma de suas ordens porque vinham direto dos deuses e sua palavra era a lei...
No entanto, ainda que dedicasse a sua vida ao xamanismo, a parte masculina dele jamais se entregou totalmente ao mundo espiritual, na verdade, ele achava que a regra para que um Xamã não casasse e tivesse várias esposas era obra de algum homem afeminado que ocupou o cargo e desdenhava das mulheres, e com o tempo virou um dogma aos que se seguiram. E como ele era agora o responsável por sua fé e leis, ele decidiu mudar isso ao escolher uma mulher para ser sua companheira.
Contudo, embora os anciões de sua tribo ousassem pensar diferente para que a tradição fosse mantida, eles nada podiam fazer contra a autoridade do feiticeiro, então ele obteve o que desejou. Mas ainda assim seu desejo não era por qualquer uma, pois dentre todas as mulheres livres de seu povo, ele escolheu uma menina que estava entrando na adolescência e já prometida a uma família nobre de sua aldeia, no entanto, ninguém era melhor que ele e a família foi obrigada a quebrar a promessa feita a outra; e a menina lhe foi entregue como esposa. Entretanto, ele não ficou satisfeito e obteve mais cinco mulheres que também estiveram prometidas...
Após os casamentos e as núpcias, cada dia era maior seu desejo sexual e poder que se expandia porque ele usava seu dom para se energizar e relacionar com todas no mesmo tempo. Mas hoje, milhares de anos após, ele se arrepende e volta sua mente para uma daquelas inesquecíveis noites de sua longa existência sobrenatural, uma em que o sexo com as esposas fez sua vontade ficar muito mais forte do que elas poderiam suportar, desmaiam de sono e cansaço; mas como ele não conseguia dormir, pois estava muito tenso e seu corpo dominado pela energia, se sentou na posição de lótus para meditar e conciliar a mente...
Mas o que ocorreu em seguida não foi o descanso pretendido do corpo e sim à liberdade e o prazer que só um xamã poderia vivenciar. Sua alma deixou o corpo pela primeira vez, e num desejo imenso de mais sexo, ele agora estava habitando em outro corpo masculino, e no controle dele, fazendo o que mais gostava com outra mulher que ele jamais viu na vida, era linda, com cabelos da cor do sol, olhos azuis e pele clara e linda.
Naquele dia ele percebeu que como Xamã, não só podia curar as pessoas, como também deixar seu corpo e habitar em qualquer ser vivo por um tempo. Não só isso, também podia habitar em vários corpos ao mesmo tempo, expandindo sua alma e consciência. Ele descobriu que não precisava ficar preso a uma só mulher e orgasmo, podia amar numa só noite centenas delas, de várias cores e etnias. Percebeu também que podia absorver a energia espiritual de aves, peixes, mamíferos e qualquer predador que existia e também possuir os corpos deles e seus espíritos...
Experimentou a essência dos mais poderosos e gostou mais de ser tigre, leão, urso, tubarão, lobo... Nessas formas ele matou para viver, saboreou o sangue quente e viscoso enchendo seu corpo de energia a cada refeição que matava. O mundo dele não estava mais restrito as suas esposas ou a sua aldeia, na verdade o mundo inteiro agora era sua aldeia.
Embora amasse fazer sexo e ocupar o corpo de homens que estavam possuindo lindas mulheres de cores e tons diferentes, ele percebeu que viver e caçar por algumas horas no corpo de uma fera era muito melhor do que sexo com qualquer ser humano porque representava a luta entre a vida e a morte...
Contudo, com o passar dos meses isso teve um custo. Ele passou a ter uma fome imensa, e apesar de suas mulheres lhes darem os melhores e mais saborosos alimentos, ainda assim ele não se sentia satisfeito e sim muito mais faminto, e para saciar essa fome, ocupar o corpo de um predador e caçar era seu prazer...
Numa noite ele habitou o corpo de um lobo que era o chefe de uma matilha, mas como tinha aprendido um novo dom, ele não assumiu a mente, apenas compartilharam as essências espirituais e aventuras, e isso o fez sentir uma empatia muito maior com os lobos do que com outros animais que vivenciou, por isso não os dominava e sim interagiam.
A matilha estava à caça de um búfalo, e quando o encontraram e dominaram, eles se entregaram ao ato de derrubar e comer o animal ainda vivo porque lobos não tinham como fazer diferente. Ele saboreou a carne e o sangue vivo e quente lhe nutrindo o corpo e a alma, ao mesmo tempo em que via os olhos negros do animal sentirem que a vida se esvaia, mas partia sem dor porque a adrenalina estava inundando seu corpo.
Aquilo o cativou porque ele nunca tinha experimentado a morte, assim ele pulou para o corpo do búfalo, na esperança de um vislumbre da morte e do que havia após ela. Ele ficou ali até que o sangue do animal não mais podia prender sua alma, pois ao morrer o espirito partia, mas antes de sair ele viu uma esfera de luz e um túnel, bem como milhares de búfalos de luz correndo para o fim estreito da luz.
Ele passou a refazer a experiência de morte com inúmeras criaturas, mas eram todas semelhantes a do búfalo, só mudava a espécie do túnel de luz. Então ele decidiu que precisava conhecer a morte humana em sua dor e forma. Para isso ele tomou o corpo de um lobo e foi para sua aldeia...
Todos dormiam, mas ele foi para a sua casa, pois era a mais distante. No corpo do animal ele viu o seu próprio corpo em meditação. Aproximou-se e lambeu suas pernas e rosto. Farejou seu próprio cheiro e sua energia xamânica, mas também lhe veio o desejo de sangue, então partiu para saciar sua sede e fome, ele morde a garganta da primeira esposa, completamente dormente porque o marido as fez dormir o sono mágico, e assim elas não sentiriam a dor do ataque.
O lobo bebe seu sangue e ela entra em coma, a morte lhe chama. Ele pula para o corpo dela e vê o túnel de luz, mas algo mais, pois a alma da esposa estava fora do corpo, observando a dele dentro dela nos momentos finais...
Ele retorna ao lobo e aos mesmos atos, descobre que a morte e a alma humana são diferentes das de todos os animais que viveu e isso o excita a ir para o outro lado, e saber o que existe no fim do túnel, e parte para o corpo da última esposa. Mas em sua última morte ele não vê a alma dela e sim de alguém que ele jamais imaginou possível, o seu mestre Xamã que lhe entregou os pertences após lhe escolher, ensinar e morrer. E o olhar dele não é de rancor ou raiva e sim de pena...
- Por que será que as crianças não ouvem seus pais ou mentores? Não lhe dei todo meu conhecimento antes de partir? Não lhe disse o que podia fazer e o que não podia? Não lhe informei que teria consequências terríveis se usasse seus dons para assuntos pessoais e mesquinhos? Ou até mesmo macabros e criminosos como o de agora? Tudo no universo tem um tempo e um equilíbrio, e você foi um dos poucos ao longo de milhares de anos que destruiu esse plano divino. Mas os deuses não o punirão destruindo seu corpo ou mente, muito menos o condenarão a algum inferno ou purgatório ao morrer; ao contrario, a sua punição será a vida eterna.
A partir de hoje você não será mais um Xamã, nem mesmo um homem, contudo também não será um animal, será um hibrido de ambos. Seu corpo será humano, e seu espirito dominado pelo do lobo. A sua punição será caçar humanos para se alimentar, e não poderá deixar nenhum deles vivos porque sua maldição se estendera a eles.
Cada pessoa que você matar jamais chegará ao plano de alma dos homens porque sua alma agora é impura e amaldiçoada e receptáculo delas, e você carregará a energia vital deles dentro de si por toda eternidade. Seu crime foi maior do que pode imaginar, e essa será sua punição até que os deuses se deem por satisfeitos e o perdoem.
E mesmo que você queira morrer, nada na terra poderá matá-lo porque você é o primeiro lobisomem, nem mesmo vampiros poderão lhe destruir porque o deus deles não pode questionar o deus que lhe criou, pois ambos são irmãos. No entanto, pode dividir sua dor com os que decidir criar, mas se eles forem mortos, você também carregará as almas deles e todos que eles se alimentarem durante suas vidas mortais, apenas você será imortal, seus filhos não porque assim saberá o que é ser pai e ver seus descendentes sobrenaturais envelhecerem e morrer a morte humana; e ainda que saiba o que estou lhe dizendo, sua dor e solidão os farão criar outros amaldiçoados iguais a ti...
Ganeshe acordou não mais em sua aldeia, ele estava numa pradaria em outro local da Ásia, nas estepes da Rússia em pleno verão. De seus poderes xamânicos nada restava, só a fome imensa que o devorava. Ao longe ele ouve o som de lobos, o som se aproximava e ele agora temia por sua vida porque não era mais um ser mágico e não lembrava nada de que a alma do velho morto havia lhe dito.
Ele os vê chegando e seus pelos se eriçam de medo porque sabe que será devorado vivo. Mas algo muda no instante seguinte porque seu corpo começa a mudar, suas mãos viram patas metade humanas e de lobo, suas pernas fazem o mesmo e ele dobra de tamanho, seu corpo se enche de pelos, o rosto não é humano e nem de lobo, uma fusão de ambos o identifica não mais como um ser natural e sim macabro e mágico...
Os lobos chegam até ele e o atacam, mas ele massacra o líder e o rasga ao meio, e seu uivo dilacera todo furor faminto da matilha, eles agora não o atacam mais e sim o respeitam como o novo líder. Os pedaços do velho alfa ele devora e parte em grande velocidade atrás de nova presa, seguido na mesma velocidade pela sua alcateia. Seu uivo vara a noite enluarada das estepes. Eles chegam a uma floresta e um urso imenso esta a frente, mas ele não teme nada, nem mesmo um urso imenso de seu tamanho. Ele pula sobre a criatura e o morde no pescoço enquanto suas garras varam as costelas do animal e arrancam-lhe o coração ainda pulsante. Ao seu comando, seus lobos vem saborear a refeição que seu alfa lhes proveio...
Apesar de se fartar da criatura, sua fome havia dobrado de tamanho, e o dia já ia raiando quando ele fareja algo mais nutritivo, e também o ouve; era o som de mulheres conversando e cuidando de crianças em uma aldeia distante alguns quilômetros, mas ele agora tinha supersentidos.
Mais rápido do que qualquer criatura terrena, ele dispara em direção a seu alimento, e ao chegar à aldeia, pula sobre a primeira mulher e lhe arranca a cabeça com as mãos e saboreia o sangue que explode de seu corpo. Come parte do tórax e das coxas e ataca à segunda, e em seguida uma criança.
Os gritos de pavor das mulheres fazem os caçadores partirem para cima da fera com suas lanças, mas elas não têm nenhum efeito sobre ele. A pele é invulnerável e sua força superior a de 100 homens, nada podem fazer contra ele a não ser alimentar aquele ser macabro. Ele ataca os caçadores e massacra todos, em seguida faz o mesmo com as mulheres e crianças, ninguém escapara com vida de sua primeira orgia de fome e matança, exceto um adolescente...
Ele já não tinha mais fome, ainda assim lhe mordeu no braço para iniciar sua gula, mas deixou-o para lá. Ele se deitou numa cabana vazia para digestão e sono, e naquele momento de repouso, seu corpo voltou a ser humano.
Ao anoitecer ele acordou ciente do que havia feito, e dormindo ao seu lado estava o rapaz. A ferida havia desaparecido e sua cria estava bem mais forte e definido. Em seu íntimo, ele sabia que o rapaz era seu filho macabro, criado por sua mordida. Eles não se falam, pois não há o que dizer.
Morgul, o novo lobisomem desperta e vê os corpos de seus pais, irmãos e amigos ao chão sendo devorados por pássaros e chacais, mas não há dor ou remorsos, eles nada significam já que agora seu pai é Ganeshe, e seu destino é seguir seu alfa enquanto viver...
Durante 100 anos eles viverão e caçarão juntos, massacrarão milhares de pessoas, mas nenhuma ficou viva para ser lobisomem... Mas como dito, Morgul não era imortal e pressentiu sua morte, ao contrario de seu pai, mas Ganeshe nada podia fazer para salvá-lo porque ele era a criatura escolhida para ser eterno, contudo, nenhum de seus escolhidos podia fazer o mesmo.
Ele foram para a pradaria e ali Morgul se deitou para não mais acordar. O pai o enterrou, e ficou ao lado da cova por toda noite num pranto silencioso por tudo que viveram juntos; mas quando o dia já estava raiando, do túmulo do filho uma energia espectral começou a buscar novo destino, e foi no corpo do criador que ela se depositou e Ganeshe sofreu dores que nenhum ser vivo poderia suportar; exceto um imortal...
A dor era infinita e ele rolou na pradaria aos uivos, reassumindo sua forma de lobisomem, assustando e afastando toda criatura vivente num raio de quilômetros. Ele recebeu a alma do rapaz em seu corpo, assim como a de todos os que seu filho matou e comeu. O espirito de Morgul agora convivia em simbiose com a essência de seu criador, mas era apenas uma alma escravizada e enterrada no inconsciente dele por toda eternidade, como milhares de outras mais...
Depois daquela dolorosa experiência ele não quis mais criar outro lobisomem, e por milhares de anos ele viveu só. Era humano no máximo de tempo que podia controlar sua fome, e quando ela o dilacerava, buscava controlar seu lobo interior para matar o mínimo possível. E sendo uma criatura imortal; um dia ele certamente encontrou outros que também padeciam de maldições semelhantes.
Após massacrar uma aldeia inteira, ele se refugiou na pradaria, e foi ali que conheceu um vampiro chamado [2]Sodak. Ele havia recuperado sua forma humana e viu o vampiro sentado em uma rocha observando-o com curiosidade. Não havia medo e nem desafio entre eles, apenas desejo de se conhecerem, afinal eram criaturas macabras e poderosas, tendo os humanos como alimento. Depois de conversarem por horas de seu passado, de como cada um se tornou o que era, Sodak e ele se tornaram grandes amigos e companheiros.
Com o tempo ele aprendeu com o vampiro a controlar seu lobo interior e sua fome gigantesca, ele ainda matava humanos para sobreviver, contudo, não se alimentava mais da carne deles e sim do sangue. Em sua forma de lobisomem, ele arrancava a cabeça e sugava o sangue, e depois fazia o mesmo com o corpo ao virá-lo para o ar com as pernas e sugar o pescoço. Era uma forma melhor de se alimentar e o deixava mais saciado do que antes.
Por séculos os dois foram amigos, mas os vampiros velhos precisavam hibernar em algum tempo, ele não nunca dormiu após ser amaldiçoado e não entendia porque os vampiros precisavam disso, mas respeitava isso, quisera poder fazer o mesmo por toda eternidade...
Um dia ele acompanhou Sodak em uma matança, a última antes de o vampiro hibernar após massacrar quase todos ali, pois ele viu o velho vampiro sugando uma criança, mas havia algo na menina que o impediu de matá-la. Ele viu o momento em que desistiu, e num ato de quase criação, lambeu a ferida do pescoço dela, fechando-a em seguida, e a menina ficou no limbo entre a vida e a morte. Jamais viu o amigo fazer tal coisa com nenhuma de suas vítimas, mas havia um significado nisso e decidiu fazer parte daquele momento. Mas Ganeshe não partiu, ficou ali cuidando dela porque os predadores vieram em busca dos cadáveres em decomposição e ela seria mais uma a ser devorada.
Entretanto, ele também pressentiu naquela criança um poder latente gigantesco, algo que nem mesmo os vampiros mais velhos poderiam ter ao longo de milhares de anos, mas que isso não era para agora, e sem sua ajuda, ela morreria, mas como amigo de Sodak, ele não permitiria isso porque sabia que naquela criança habitava a alma de alguém que um dia foi parte da vida humana dele antes de ser vampiro...
Ele retirou-a dali e a colocou num local seguro e foi atrás de sangue para si. Ao retornar ele mordeu a própria língua para que seu sangue alimentasse a criança, lhe dando energia para viver mais um pouco, e assim foi se repetindo até o 3º dia em que ela já não mais era humana, e sim Yula a vampira mais jovem que existiu, e que milhares de anos após seria a rainha de todos os milhões de vampiros que existiriam no século XXI...
Sem que ela percebesse, ele partiu silenciosamente, e ela jamais saberia por milhares de anos que teve o mais poderoso ser da terra como seu protetor e babá durante sua transição, mas ele iria se apresentar a ela no tempo certo, ainda que milênios após, afinal ele também era em parte seu criador.
Com seu amigo hibernando, ele volta a conviver com humanos, mas agora ele é diferente, aprendeu a controlar a transformação e a fome já não o consome mais, o sangue é o melhor alimento e matando poucas pessoas, ele podia saciar sua fome por um ano. Contudo, vivendo muito tempo com os humanos, um dia ele se entrega a um sentimento que não deveria; a paixão. Ele passou a amar uma mulher em especial, uma que ele viu nascer e crescer e se tornar a mais bela da humanas de seu tempo.
Aisha era essa mulher, e aos 16 anos era uma deusa em beleza e sedução. Estava prometida a uma família nobre das estepes russas, mas ele a queria para si. Se como Xamã ninguém podia lhe desobedecer, como imortal, nada lhe podia ser negado. Ele chega à aldeia dela e massacra todos os homens, mulheres e crianças, e ao final se aproxima de sua amada. Ele sabe a dor que é ver um filho morrer, mas desta vez isso não ocorrerá porque ele tem um plano...
Ela e seu criador agora correm livres como o vento, e Aisha descobre que ser loba é estar em comunhão com o universo e que fazer amor com seu alfa é mais intenso que a carne e o sangue de centenas de pessoas. Pela primeira vez em séculos Ganeshe esta feliz e em paz com o que é. Ele não deseja nada mais do que tem, mas sabe que sua amada tem a morte como presente porque ela cresceu e ganhou as formas de uma mulher linda e poderosa. Ele também aprendeu com seu amigo vampiro que seu sangue possuía poder, assim ele a alimentou com seu sangue por décadas e sua amada viveu dois séculos como lobisomem, mas a morte a chamava e isso o desesperou porque de todas as dores, nenhuma seria maior que perdê-la...
Ganeshe a queria para sempre e partiu a procura de seu amigo, mas ele não o encontrou e agora precisava de outro vampiro para lhe fazer um favor, e muitos já o conheciam, mas ao contrário de Sodak, eles não apreciavam o lobisomem, contudo; nenhum deles era forte o suficiente para tentar uma luta em que a própria morte era obvia. E só havia uma vampira com quem ele podia contar; Yula...
Ele havia lhe dado seu sangue, e como tal podia sentir a presença dela em qualquer lugar. Mas ela jamais percebeu isso, e nem que ele podia lhe ordenar de forma inconsciente sem que ela se desse conta disso. Após se alimentar num dado dia, Yula dorme tranquilamente em uma caverna e não sente ali a presença das criaturas...
Como uma sonambula, ela acorda e vai até a Aisha e a morde no pescoço, o sangue da loba a deixa com tanto poder que ela quase desperta, mas o controle mental de Ganeshe lhe impede, além do mais ele não esta lhe fazendo nenhum mal, apenas dando a ela mais um pouco do poder que dorme em suas veias, em seguida ela lhe dá sangue de vampiro, com todo poder que ele contém...
O sangue e a mordida da vampirinha tornaram Aisha imortal, mas ela não virou vampira, isso não era mais possível porque o deus dos vampiros e dos lobisomens não eram os mesmos, e sim irmãos que se toleravam e jamais cederia o que era seu ao outro.
Sendo imortal, Aisha também criou outros de sua espécie, mas após séculos como amante de seu criador, ela decidiu se afastar dele e viver suas próprias escolhas... Entretanto, ela também pagou o preço de seus atos como criadora sobrenatural, pois ao morrer, seus filhos lhe entregavam a energia e as almas daqueles que eles mataram, e ela recebeu em seu corpo toda a dor e agonia que um dia seu criador suportou, contudo, a dela era muito pior porque ela não fez apenas um lobisomem, e sim centenas deles, que por sua vez fizeram outros e mais outros...
No entanto, Ganeshe agora estava livre de sua maldição porque ela havia se tornado o receptáculo da dor de todos os lobisomens que criou e que morreriam, e ele estava livre de sua sina enquanto ela vivesse, e como só havia um ser na terra que poderia matá-la, e um pai jamais mata seus filhos, então ele havia se libertado das palavras de seu antigo Xamã e mestre...
Por milênios os lobisomens se espalharam por todos os continentes da terra, mas agora viviam apenas o tempo normal de vida de um humano, e Aisha escolheu outro caminho, ela aprendeu a hibernar porque era a única forma de suportar a dor; e isso era parte do dom que herdou de Yula. Além do mais, descobriu que não precisava mais virar lobisomem e nem se alimentar de humanos, porque a energia que recebia dos seus filhos mortos lhe dava tudo que precisava, mas de vez em quando se transformava e uivava para a lua e corria por dias e dias em sua forma de licantropo...
Ela experimentou o prazer de liderar matilhas de lobos nas estepes à caça de bisontes, de pular sobre eles e lhes rasgar a carne e uivar como alfa para os lobos se aproximarem e comerem. Nenhum lobo ou cão podia resistir as suas ordens mentais ou uivos de alfa suprema. Na verdade, ela gostava mais da companhia dos lobos do que de seus próprios filhos ou de seu criador. Por séculos ele a domou e possuiu, mas agora era livre e senhora de seu destino. Ainda gostava dele e o amava de certa forma, mas amava mais ser um ser livre correndo pelo mundo, matando e amando qualquer homem que ela quisesse...
Ganeshe aceitou a liberdade de sua cria, e a via algumas vezes por séculos, ou milênios, e isso não lhe fazia falta porque ele era imortal e podia sempre chamá-la se assim quisesse porque era o alfa de todos os lobisomens da terra. Mas esperava outra coisa, e era de uma menina...
No dia que Yula deixou de ser criança e virou uma vampira [3]adolescente e poderosíssima ele sentiu, assim como no dia em que ela se tornou mulher e [4]imperatriz de todos os vampiros da terra. Depois de milênios e com tanto poder, era hora dela conhecer o seu 2º pai porque ele sabia que seu amigo e criador dela, infelizmente não existia mais, contudo, sua alma e essência ainda estavam dentro dela, assim como a alma de milhares de humanos que também habitavam nele.
Mas ele decidiu que não devia mais chamá-la, embora tivesse poder para isso, e sim lhe revelar a verdade. Ele projetou sua mente até ela e seu espectro apareceu para a mulher mais linda e poderosa que jamais existiu ou existirá neste planeta. E nem mesmo Aisha era tão linda quanto Yula, ela era uma deusa em todos os sentidos.
Ela percebe a energia da criatura sobrenatural, e assim como aconteceu com seu criador e com seu avô, ela sabe que não há nada a temer, e sim que ele também é em parte seu pai. Ela vê em sua mente as memórias dele cuidando e a alimentando enquanto em transição, o sangue que ele lhe dá que a curou e manteve viva. E também sua presença ao longo de milhares de anos.
Também se vê mordendo Aisha e lhe concedendo a imortalidade, e agora sabe que embora ela não seja vampira, ainda assim é sua cria também, e que pode convocá-la a hora que desejar, e fará isso com certeza. Então ela decide que é hora de rever Ganeshe, e ele aceita o convite da imperatriz dos vampiros.
O reencontro é algo que ela precisava porque sua vida deveu-se a dois seres amaldiçoados, mas que lhe concederam o maior dos dons, ser a criatura mais poderosa deste planeta. Não há palavras entre eles, apenas interação mental porque palavras não explicam o amor entre criador e criatura que se tornou filho. Ela o ama incondicionalmente e o quer próximo de si pela eternidade...
Mas seu pai também tinha um pedido, ele precisava do mesmo dom que Yula deu a Aisha, o de poder hibernar e algo mais que só ele sabe e deseja desde que viu o túnel de luz da morte humana.
Em seus milhares de anos ele nunca teve uma noite de sono. Estava tão conectado aos seres vivos que parte de sua maldição era sempre se manter desperto. Yula também sabia que agora não era mais a órfão que sempre foi e que não estava mais só após ter matado seu pai e avô, ela tinha sim outro criador e qualquer coisa que ele pedisse ela atenderia. E como era fruto de dois deuses criadores sobrenaturais, podia sim atender a seu 2º pai.
Ele lhe pede e ela o morde e suga seu sangue até a última gota, sentindo em sua alma a enxurrada de poder e emoções de tudo que ele viveu e sentiu. E dor, uma dor tão profunda e infinita que mataria qualquer vampiro da terra, ou até mesmo Aisha, mas não a ela e seu filho Marcus.
Novamente ele e ela experimentam uma onda de poder que varre todo o planeta, e todos os vampiros recebem de novo em seus corpos a energia suprema da líder absoluta, o mesmo ocorre com todos os lobisomens porque ela agora era também a imperatriz deles porque seu pai era o criador de todos.
Aisha é a primeira a sentir a energia de sua mãe vampira, e o comando dela, e como 1ª ordem, nunca mais haveria discórdia entre as duas espécies porque eles tinham um único líder, Yula. Ela morde a própria mão e dá seu sangue imperial a Ganeshe, e ele agora conseguiu seu intento secreto...
Tudo que havia nele de lobisomem não existiria mais, pois ele não estava mais amaldiçoado. Seu corpo não continha mais a energia que o tornou imortal e ela não mais o protegia do ciclo da vida e do tempo. Ele olhou feliz para sua filha uma última vez e lhe agradeceu, sorriu e entregou a ela o que faltava para consumar seu reinado supremo, a própria vida; ele brilhou e virou pó, e seu legado a ela foi dar-lhe o restante da energia que o fez ser quem era. Após milhares de anos, Ganeshe era humano de novo, e sua alma livre para prosseguir sua sina em outra dimensão, ou reencarnar...
No entanto, Yula não lamentou a morte de seu 2º pai, pois ela sabia que isso não existia, a alma era imortal e reencarnava até não mais necessitar desse mundo como escola; e como filha, ficou honrada em conhecer e atender o desejo de seu criador, mas também era mãe e precisava agora ter o encontro com uma filha que não viu acordada ainda, pois no dia que a criou estava dormindo.
Ela voou milhares de quilômetros em meros segundos e aterrissou na pradaria americana onde sua filha chorava a morte de seu criador, o mesmo ocorria com todos os lobisomens da terra. Ao ver a mãe vampira e imperatriz de todos os lobisomens, a única coisa que podia fazer era abaixar-se para saudar sua imperatriz e alfa.
Mas a resposta de sua mãe foi uma mordida carinhosa em seu pescoço, e em seguida lamber a ferida e lhe dar seu sangue com seu dom e poder de vampira para sarar e curar o corpo e a alma da filha numa nova escala...
Essa era a forma que sua mãe a libertou da maldição que a consumia a cada morte de lobisomens há séculos. Yula agora era a repositora e receberia cada uma delas, mas ao contrário da filha e do pai, isso não lhe faria nenhum mal porque seu poder era descomunal, e ao longo de milhares de anos só tenderia a aumentar porque além de sangue e almas, ela também recebia a energia da adoração de vampiros e lobisomens.
Aisha perdeu seu pai, mas ganhou a mãe de verdade, e em breve conheceria Marcus, seu irmão supremo. Daquele dia em diante não havia mais dor em sua vida, e de Yula ela também recebeu um dom que nenhum lobisomem podia ter, exceto ela, e que agora podia voar como qualquer vampiro, embora não fosse uma, mas sua genitora sim, e como tal, podia conceber dons que só um ser supremo às duas espécies possui.
Aisha agora era realmente livre num sentido que a própria palavra desconhecia, não havia mais dor na imortalidade, não existia barreiras entre a terra e o ar porque como princesa dos lobisomens, todos eram seus servos, e como filha de imperatriz, os céus eram seu parque de diversão, e os continentes da terra sua montanha russa a transpor...
[1] conjunto de manifestações, ritos e práticas presentes em inúmeras sociedades humanas e centralizadas na figura do xamã, em seu papel de intermediação entre a realidade profana e a dimensão sobrenatural, em seus transes místicos e nos poderes mágicos e curativos que lhe são atribuídos.