POR DAVID DA COSTA COELHO
O universo do ensino ocorre dentro de uma sistematização que se dá a partir das diretrizes básicas nacionais, dos quais são signatários os estados e municípios. Cabendo ao final à escola aplicar aquelas matérias através de um conjunto de professores de diversas disciplinas, que por sua vez são supervisionados por um [a] pedagogo [a], e num segundo momento, por um supervisor educacional, para ter a certeza de que aquilo que foi decidido pelos governantes como normas da educação, não se modifique em uma linha sequer...
Já ao professor, cabe seguir um planejamento técnico, frio e calculista, mas tendo que encontrar espaço nele para ser humano e amoroso com as crianças, com uma aula que atraia o aluno e deixe-o encantado por sua matéria, mesmo que o aluno não se importe com aquilo, e nem saiba para que sirva sua vida a partir de agora com aquele saber proposto pelo estado. Nesse sentido, se algo não ocorre bem nesse processo, só há um culpado no fim das contas, esses indivíduos são os professores, porque só cabe a eles fazerem daquelas crianças os moldes de adultos que o estado idealiza.
Mas e quanto à visão do aluno, o que ele pensa e imagina da educação, dos pais que lhe empurram para a escola, para que cumpram as normas ali definidas e tenha uma qualificação mental e intelectual que lhe permita ser no futuro uma mulher ou homem, educados por aquelas normas escolares, e um profissional realizado, é só isso que interessa?
Ao longo de décadas, evidentemente que inúmeros autores já se debruçaram sobre essas questões, e de longe o mais contextualizado e admirado é Paulo Freire, e dentre seus livros, Pedagogia da autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa; é o horizonte que ainda hoje se faz necessário a quem entra em sala de aula. Nele o autor defende uma educação que faça as pessoas perceberem sua realidade, e as relações entre dominador e dominado, e que o aluno, um produto da sistematização do estado, seja ao final de seu processo educacional, liberto pelo conhecimento empírico que herdou de sua visão de mundo através de influências sociais e familiares, bem como daquele sistematizado pela escola.
Para o autor, a escola, é um sistema dogmatizado pelo estado, para criar cidadãos obedientes às leis e regras do mesmo, mas no que tange a educação, ela tem que dar voz aos alunos, porque segundo ele 1“ninguém liberta ninguém e ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (1987, p. 29). Esse é o dilema do professor, libertar o aluno da caverna que herdou, mas sem que o professor também se torne um opressor, impondo a sua imagem aos alunos como se ele fosse um deus supremo, e eles os reles mortais a lhe adorarem e dar suas orações máximas em notas excelentes, para que os supervisores dos professores não cheguem ao final do ano lhe diminuindo como profissional porque seus alunos foram incapazes de atender as normas impostas pelo estado; no que tange a educação, o professor é sempre culpado por qualquer mazela neste sistema, seja salário, doenças do trabalho ou notas ruins de alunos que não se enquadraram na grade curricular e na forma com a qual o professor passou seu conteúdo...
Mas e qual seria a justificativa do aluno para os problemas escolares ou notas ruins? Em tese, a educação para a maioria das crianças é vista não como uma fonte que sacie sua sede de conhecimento e lhe permita um futuro, ao contrário, a maioria das crianças nos dias de hoje não se importam com a escola, exceto como lugar para rever os colegas, grande partes delas acham a escola um lugar terrível, cheio de regras e matérias chatas, que só estão ali porque os pais os obrigam, e que se o professor for ‘bonzinho’, não passará nada e nem cobrará matéria, deixando os mesmos com seus celulares conectados à internet, compartilhando aquilo que eles se identificam...
Ou seja, se educar antes da era da informação já era um desafio, hoje se tornou não só uma tragédia grega, como também um desafio maior. Evidente que todas essas questões são abordadas nos autores acadêmicos que um formando que deseja lecionar em escolas públicas ou privadas, ou em universidades, deve ler, ainda mais se ele possui uma graduação em pedagogia porque você não sai da faculdade sem ler Paulo Freire e demais acadêmicos que são os ícones destas disciplinas.
Os alunos de hoje são em si mais complexos, e dentro do que o professor deve fazer para libertar os mesmos destas prisões está em fazê-los perceber que a internet, como tudo em nosso mundo, assim como a própria escola, e determinados professores opressores, é também uma grande prisão...
Nesse sentido, inúmeros autores, assim como o próprio Paulo Freire tinha várias teorias de como esse trabalho deveria ser feito, um deles é o amor ao seu aluno como sua bússola na educação porque sem isso, ela é apenas um amontoado de gente em uma sala de aula, com um professor dogmatizando o aluno e cobrando resultados naquilo que o planejamento impõe. Na verdade, na era da internet e de alunos conectados, não resta muita coisa a ser dita contra essa tese de Freire, e sim apoiada. Há redes sociais e grupos nos celulares dos alunos onde eles não só falam das coisas que vivem e anseiam como também em suas relações com os professores.
O professor que é carrasco e dono do saber, além de não ter os parâmetros de sua matéria atendidos, tendo uma lista grande de prováveis alunos repetentes e de recuperação no último semestre, em sua escola ele é visto também pelos demais alunos como o tirano de mais um dia de aula. Evidente que sem regras e bom comportamento, nenhum professor pode lecionar porque as crianças não estão ali por que são loucas por Matemática e Ciências, História ou Português, e sim devido influência de seus familiares, que atendem as diretivas do estado.
Já o professor que é ‘bonzinho’ também não atende sua grade e nem é visto como alguém confiável pelos próprios alunos, na verdade ele é o primeiro a ser crucificado pelos próprios alunos que vão justificar suas falhas ao final do ano porque o professor não se importava e não passava nada. Neste quadro em que professores são sempre culpados, e o aluno está amparado e protegido por inúmeras leis, inclusive recuperação paralela, progressão continuada e outras ainda por surgir; que tipo de professor o aluno deve esperar para seguir as regras do sistema, ao mesmo tempo em que cresce como ser humano?
A fórmula mágica também já foi dita por Freire, ser amoroso... Professor deve deixar claro desde o primeiro dia de aula que a educação para ele, apesar de tudo de ruim que coexiste na vida escolar, ainda assim é um sonho realizado, e que enquanto estiverem sobre sua tutela, na matéria em que é versado, não se porá como um superior, ainda que seja no plano acadêmico. Ouvirá os alunos, compreenderá que muitos deles só estão ali porque os pais os obrigam, além do próprio sistema capitalista excludente, com sua luta de classes, que só se ascendem socialmente de acordo com sua vida acadêmica ou posição social classista que ocupa na pirâmide social que assim se definem.
Esse é de longe o espelho em que o aluno deve se ver para entender porque seus pais os guiam até a escola, motivo também para o professor dirimir as coisas inerentes ao que tange sua matéria em sala de aula, perdoar os bagunceiros e tentar saber além do que eles transmitem em sala de aula.
O professor, neste quesito, é também um espelho porque crianças com dificuldade de aprendizagem ou extremamente bagunceiros ou são portadores de alguma doença psicológica a ser identificada pela psicopedagoga, ou estão pedindo socorro por aprontarem em sala de aula, levando o assistente social ou pedagoga a sua casa e constatando o que também já estão nestes autores acadêmicos...
O professor passa a ser então não só o responsável pela formação de todos os profissionais da sociedade, como também ele se torna um grande ator ao representar inúmeros papeis em sala para dar a sua aula, e a sua matéria, até então tida como chata, ganhar vida com os exemplos que ele trás da mesma, e dos exemplos cotidianos que se permite inserir. Uma das coisas a ser feita neste contexto, é trazer uma aula expositiva em que se brinque, peça a opinião dos alunos e do que podem comparar para o tema em que vivem no mundo real, e até mesmo virtual para aquilo que estão fazendo.
Crie brincadeiras em grupos e estimule a interação entre todos. O professor jamais deixará de ser visto como alguém que esta ali para passar matérias e cobrar resultados, no entanto, ele pode fazer isso lembrando que o mundo de ontem, quando ele estudou, não é o mesmo em que seus alunos vivem, e que não só deve se atualizar como docente, como também levar em conta de que se ele for aceito e compreendido por esse grupo – que são seus alunos – o resultado ao final do ano será o de um professor que deixará saudades para aquelas crianças.
O professor, como dito, não é somente um professor em sala de aula, ele leva o trabalho para casa de diversas formas, afinal, provas, testes, trabalhos e redações ainda não possuem um AP, ou Programa que os corrijam magicamente e deem as notas nos diários dos alunos, ao menos ainda nesta década, pode ser que surjam na próxima...
Nesse meio tempo cabe ao professor seguir fazendo do ensino das crianças, não importando qual seja sua disciplina, menos chata e interativa, afinal, gostando ou não, elas só saíram da escola passando pelos professores, ou se evadindo da escola.
Ser professor é lembrar que temos que educar crianças, e elas precisam se adequar ao que a escola e o estado determinam, ao mesmo tempo, elas são crianças, e continuarão assim por muito tempo, e até mesmo adultos, ainda que sejam juízes, advogados ou presidentes da república, carregam em si parte da criança que foram um dia.
Assim sendo, se formadas e entendidas por um professor, não aquele carrasco, ou o ‘Bonzinho’, e sim um mestre e amigo que se juntaram para ensinar e aprenderem juntos, no final, aquela criança que chegou a escola por imposição ou anseio de futuro através do estudo, poderá lembrar que um dia teve alguém muito importante na vida dele; que lhe educou e deu os caminhos para pensar por si próprio e ser um cidadão completo porque um dia teve a honra de ser acompanhado de um professor...