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Autor: David da Costa Coelho
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Patrícia e seu marido Paulo, seus três filhos, João Paulo com 14, Luís Henrique com 12 e João Pedro com 11 anos, estavam todos de férias em um cruzeiro marítimo pela Austrália, já que ela e o marido eram funcionários públicos e estavam desfrutando uma merecida licença de 6 meses, que guardaram para convergir no final do ano e com as férias escolares, tão logo os meninos foram aprovados no ano letivo que estavam, foram direto para o transatlântico e as aventuras que uma vida de ócio e prazer pode proporcionar a seres humanos ansiosos por diversão. Para a família não faltava distração, além disso o navio fez paradas em diversas partes do litoral brasileiro até rumar para África do sul, e de lá para a Austrália, mas após cruzar o continente africano, as coisas não foram tão tranquilas, uma chuva constante varria o horizonte por dias, e só restava a tripulação as diversões internas.
As comunicações informavam que o tempo ruim ainda iria perdurar assim pelo resto da semana, mas ao longo dos dias, o clima foi levado ao extremo, e a simples tempestade tropical se tornou num furação, e o olho dele se dirigia diretamente para o transatlântico, e dali rumo a costa australiana. As ondas atingiam níveis para os quais nenhum navio humano podia suportar. O capitão despachou as coordenadas de onde estava e preparou a tripulação para o pior, esperando que este não viesse, mas não se chega a este posto acreditando em milagres e sim em fatos, uma onda descomunal varreu o navio e ele tombou, levando ao desespero seus tripulantes, e passageiros. O choro e desespero de mulheres e crianças não impediu que centenas deles morressem afogados, muitos botes salva-vidas afundaram com a parte do navio virado, e a duras penas Paulo arrastou a esposa e seus filhos para um dos botes, pois ele estava justamente do lado do navio que vergara com as ondas e foi uma luta épica salvar sua família e uns poucos sobreviventes, além de um imediato em estado crítico e sangrando muito.
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Ao raiar o dia, ainda de chuva intensa, molhados e com frio é que perceberam sua real situação, não havia sinal do navio e nem de sobreviventes além dos que estavam no bote, ele e sua família, o imediato e três crianças. Mas a situação Paulo não lhe era propicia, havia deslocado o ombro, e quebrado o braço esquerdo, o imediato também estava mal, quebrou uma perna quando ficou preso nos escombros, escapando com auxilio heroico de Paulo que salvou a ele e as três crianças com idade inferior a dos seus filhos. Sua esposa e seus meninos estavam apavorados e bem, mas ele não tinha ilusão do que viria, a dor era lancinante em todo seu corpo e o imediato já estava com os lábios roxos de hipotermia, contudo, antes de perder a consciência informou a Paulo que o local que estavam os arrastava para o meio do oceano Pacífico, mas que ele devia fazer de tudo pra sobreviver porque petroleiros poderiam encontra-los e lhe deu uma bussola que carregava desde que entrou na marinha mercante.
Antes do final do dia ele morreu, e com dor e sacrifício, eles se uniram e atiraram o corpo ao mar. Os pingos de sangue de sua perna logo trouxeram os tubarões, e as mordidas em nacos grandes de carne enlouqueceu os carnívoros em frenesi alimentar, o corpo foi despedaçado e devorado, enquanto patrícia e as crianças gritavam e choravam diante da cena dantesca a pessoas próximas da morte certa. Paulo queria também chorar, mas sua dor era maior porque sabia ser aquele seu destino se não fosse recuperado em mais um dia. Seu ombro queimava e seu braço quebrado e esmigalhado fazia sua cabeça explodir de dor. As ataduras que patrícia lhe fizera diminuíram um pouco seu sofrimento, mas não mudou o fato de que estava em choque e só não desmaiou porque sabia que sua mulher não sobreviveria sem ele. Aos poucos ele entendeu que estava errado porque ela acalmava as crianças e a ele, cuidava das necessidades do corpo de todos, as rações de sobrevivência foram divididas por ela e só o carinho e a força daquela mulher por ele e seus filhos o mantinha vivo.
No terceiro dia ele estava completamente louco de dor, seu braço estava inchado e cheio de pus, e fedendo. Patrícia pegava as crianças que necessitavam eliminar fezes rapidamente colocando os com a nádega para fora do barco, pois entrar na aguá infestada de tubarões martelo era pedir para morrer.
No 4º dia Paulo chama a esposa e lhe conta as mesmas palavras que o marujo lhe dissera, ela em prantos tenta negar a verdade que seus olhos veem, mas o corpo dele já não suportava mais nem mesmo comer, sua força física e mental já não queriam mais aquele corpo, e sabia como reencarnacionista que era hoje seu dia de morrer, a paz interior preparou seu espirito para deixar a carne; Antes da noite cair, sua alma partiu, despedindo-se com um beijo aos que ficavam.
No 4º dia Paulo chama a esposa e lhe conta as mesmas palavras que o marujo lhe dissera, ela em prantos tenta negar a verdade que seus olhos veem, mas o corpo dele já não suportava mais nem mesmo comer, sua força física e mental já não queriam mais aquele corpo, e sabia como reencarnacionista que era hoje seu dia de morrer, a paz interior preparou seu espirito para deixar a carne; Antes da noite cair, sua alma partiu, despedindo-se com um beijo aos que ficavam.
A dor de perder seu marido não era maior do que ter que jogá-lo na água e ver este ser devorado por tubarões, no 1º dia ela refutou em lágrimas de fazer isso, mas no dia seguinte não podia mais evitar, aos prantos, todos no barco auxiliaram-na, e ela joga o corpo de Paulo ao mar, ele flutuou por um pouco, mas em breve algo o arrastou para o fundo, junto com os lamentos da família e dos meninos que Paulo salvou da morte certa.
Mas as dores de patrícia vinham num momento que ela estava se sentindo a mais fraca das mulheres e tendo que ser forte física e mentalmente por todos que dependiam dela como adulta. Os lábios das crianças estavam rachados pelo sol escaldante do dia e do frio intenso ao anoitecer, ela não estava melhor, muito mais magra do que podia suportar suas responsabilidades com as seis crianças, pois as rações de emergência já estavam no fim, e não era possível alimentar a todos.
Aguá não existia mais para todos, restando poucos goles, e só quando chovia podia repor um pouco nos coletes salva vidas que tirou dos que morreram, sua mente lhe dava agora a opção mais terrível e cruel que alguém fiel a seus valores e religião tem que fazer, porque ao contrario do marido, ela era católica, muito católica mesmo. Depois de 10 dias no barco, seus meninos estavam virando esqueletos vivos, e ela fez a escolha de dar vida a quem era de sua família, ao anoitecer, sem ter despertado os meninos que não eram seus filhos durante para comer e beber, pois estavam extremamente fracos e desnutridos, ela os atirou ao mar. Era questão de um ou dois dias a morte deles, ela não decidiu aguardar por isso e nem deixar que seus filhos sofressem mais pela pouca comida que racionara o que podia, e mal dava para ela mesma, ainda mais dividir o quase nada por pessoas que não eram seu sangue, depois de fazer isso, pediu perdão a deus, mas era o sacrifício de uma mãe desesperada.
No dia seguinte ela alimentou os meninos com o que restava da aguá e comida, comeu o mínimo possível para suportar mais um dia e deu todo o resto pros filhos, eles perguntaram onde estavam as outras crianças e patrícia contou que tinham morrido, e que teve de jogá-los ao mar durante a noite. As crianças não tiveram como ficar triste ou chorar, pois a visão da morte, fome e sede só os deixava com fome e sono.
Mais dois dias se passaram nesta rotina sem resgate, de fome, sol e frio, no terceiro e penúltimo dia antes de serem resgatados o único alimento que havia foi aguá que ela colheu da chuva. Ao meio dia do dia seguinte um navio de bandeira da África do Sul os avista e recolhe entre a vida e a morte por inanição e queimaduras de sol, roupas térmicas os cobrem e são levados para a enfermaria do navio, alimentados por soro. Seus filhos estavam tão magros que quase não sobrevivem, mas depois de uma semana de cuidados intensos, eles começaram a se alimentar normalmente, ela tinha lutado e sobrevivido porque não perdeu o animo e fez o que tinha que fazer, não o que devia fazer.
Soube das noticias do navio, 400 pessoas tinham morrido e muitos estavam desaparecidos. Ao chegar ao porto ela foi entrevistada pela capitania dos portos em inglês, já que era fluente no idioma e professora de uma universidade onde lecionava letras. Seus filhos foram entregues a psicólogos para se desfazerem do transtorno pós traumático, e pouco falavam, na verdade estavam tão em choque que o ficar longe da mãe fiel e protetora os deixava aos prantos.
Ela conta que haviam 9 pessoas no barco no dia do naufrágio, mas os que sobreviveram ao final foi só ela porque foram encontrados na hora exata, porque mais um dia no mar e estariam todos mortos. Depois de um mês ela retorna a sua casa, sua vida e o que sofreu virou manchete no mundo inteiro, havia pedido de entrevistas e uma editora para que ela escrevesse um livro sobre o que passou, mas tudo isso ela explicava que veria no futuro e que a única coisa que desejava agora era voltar para casa, pro seu lar junto com seus filhos.
Com os meninos em casa e cuidados pelas duas avós, tias e primos, ela foi até a igreja aonde foi batizada em Niterói na infância. Lá, ela caminhou de joelhos até o altar, chorou e rezou muito, e quanto mais ela chorava, mais lagrimas brotavam de sua alma angustiada, finalmente entrou quem ela precisava ver, o padre Osório, o mesmo homem que batizou seus filhos e que ela considerava um sacerdote iluminado, longe daquelas bestas humanas que manchavam o nome da igreja em crimes de pedofilia. Ela foi até ele, e como tantas vezes antes, sem dizer uma palavra, dirigiram-se ao confessionário, e lá a primeira palavra que ela disse em lagrimas foi:
- Perdoe-me padre, pois eu pequei...