Por Francisco Costa
Temos dezenas de partidos. Alguns países têm ainda mais, outros, menos, mas em todos, através de alianças e coligações, o que acaba acontecendo é um bipartidarismo: de um lado os partidos conservadores e, do outro, os progressistas. A evolução política das sociedades se dá no embate dessas forças, de maneira [1]dialética (nos dois sentidos e com influências mútuas), e o nosso país não foge disso.
Como no início do século passado os que eram contra o Czarismo russo [2](bolcheviques) sentavam-se à esquerda, no parlamento, e os que defendiam o Czarismo [3](mencheviques), à direita, quase que por convenção, os progressistas passaram a ser chamados de forças de esquerda e os conservadores, de forças de direita.
Para entendermos como esses embates se deram e se dão, no Brasil, comecemos pela libertação dos escravos, ainda no século dezenove. Ao contrário do que se pensa, não aconteceu por um ato de bondade da Princesa Izabel. Ela apenas promulgou o que o senado fez tramitar, votou e aprovou. O mérito da Princesa está em que poderia ter vetado e não o fez. O fim da escravidão foi resultado de mais de uma década de luta entre os conservadores (queriam continuar com a escravidão) e os progressistas (queriam a abolição).
Depois a situação se repetiu na Proclamação da República, com os conservadores querendo a continuidade de D. Pedro, e os progressistas querendo a República. Para se antecipar aos progressistas que estavam radicalizados, os conservadores menos conservadores se anteciparam e proclamaram, usando as forças militares (isso mesmo, a nossa proclamação da República foi um golpe militar dado por oficiais de confiança de D. Pedro, contra ele). Assim a direita manteve-se no poder por quase quatro décadas, até Getúlio Vargas que, embora conservador, imprimiu medidas progressistas no país.
Ressalte-se que nesta época aconteceu a Segunda Guerra Mundial e os conservadores brasileiros fizeram de tudo para que nos aliássemos aos nazistas, e só não o fizemos porque navios nossos foram torpedeados, sem que saibamos, até hoje, se foram os alemães ou os norte americanos, para que os alemães levassem a culpa e nos aliássemos aos Estados Unidos. Terminada a guerra os progressistas ganharam força. É dessa época a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que acabou com o trabalho semiescravo no Brasil, a criação da Cia Vale do Rio Doce, da Cia Siderúrgica Nacional, da Petrobrás... Estatais brasileiras para explorar e gerenciar a venda das nossas riquezas.
Brasília foi construída, houve um verdadeiro boom cultural (Cinema Novo, Bossa Nova, Concretismo, Teatro do Oprimido...) e tudo levava a crer que estávamos entrando num período de franca e permanente prosperidade. Houve um pequeno intervalo conservador, com Jânio Quadros, um destrambelhado aventureiro, que acabou renunciando, em mal calculada manobra de um golpe.
Assumiu o seu vice, João Goulart, o Jango, que colocou o país nos trilhos do progresso novamente, principiando por implementar as então chamadas Reformas de Base, algumas delas implementadas depois, de maneira tímida e parcial, mas a maioria por fazer, até hoje: reforma fiscal, política, tributária, agrária... Principiou por nacionalizar as refinarias e a distribuição de derivados de petróleo, o que contrariou poderosíssimos interesses multinacionais e de seus beneficiários locais, a nossa burguesia, a nossa classe dominante.
Certa de que no voto não conseguiria reverter à situação, já que Jango tinha quase 80% de aprovação do povo brasileiro, e que a eleição de Juscelino, novamente, era fava contada, a direita começou uma campanha difamatória contra os progressistas, apontando risco de comunismo (João Goulart era latifundiário; Brizola, social democrata nos moldes alemães; Juscelino, católico praticante, visceralmente anticomunista...), totalitarismo, golpes de esquerda...
Junto a isso uma insidiosa e radical campanha de desmoralização: que João Goulart era corno, Brizola estava comprando todo o Rio Grande do Sul, as filhas de Juscelino tratavam dos dentes em Paris... E que toda a esquerda era ladra, roubava, claro. Aliaram-se os religiosos, o grande empresariado, os veículos de comunicação (onde se destacaram o Jornal O Globo e as emissoras do Sistema Globo de Rádio) e, com o apoio financeiro e logístico dos Estados Unidos, deram um golpe militar, em 1964.
O que se seguiu todo mundo sabe: entrega das nossas riquezas, a começar pelo nosso minério, aos Estados Unidos, a substituição dos sistemas de saúde e de educação estatais por sistemas particulares, pelo que pagamos até hoje... Matando e torturando quem não concordava. E aqui você me faz duas perguntas, na verdade uma só, desdobrada em duas:
1) porque não houve resistência ao golpe? E, 2) Havia realmente uma ameaça comunista?
Não houve resistência porque não havia homens treinados para isso, organizados para isso, sequer armas havia, o que afasta qualquer possibilidade de estar se tramando algo nesse sentido.
Sem ter como justificar o golpe como uma ação preventiva, os militares passaram a investigar a esquerda, para provar que era ladra, e que a ação armada foi saneadora, praticamente nada encontrando, tanto que os exilados brasileiros, depois, na Europa, trabalharam em atividades humildes, de quem não tinha dinheiro escondido em contas secretas no exterior: taxistas, maquinistas de metrô, coveiro em cemitério... Todo mundo duro, inclusive ex-governadores.
E você me faz nova pergunta: por que sendo numericamente muito inferiores, os senhores de escravos conseguiram manter por tanto tempo a escravidão? Porque sendo tão poucos os ligados à Corte Portuguesa, demoraram tanto a proclamar a república? Porque é que estando a maioria do povo com Getúlio, ele foi tão pressionado pela direita, a ponto de se suicidar? Porque tendo quase 80% do povo brasileiro a seu favor, Jango caiu?
Primeiro porque, por trás desse liberalismo nos costumes, o povo brasileiro é extremamente conservador. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão, o último a proclamar a república.
Segundo porque a burguesia brasileira sempre contou com a ajuda externa, de países que nos exploraram, como colônia (durante o golpe militar, em 64, havia uma esquadra norte americana no nosso litoral. Se houvesse resistência eles invadiriam).
Terceiro que, sendo conservador, o nosso povo tem muita afinidade com ideologias religiosas, conservadoras. Durante a escravidão e em 64 foram os católicos, agora são os fundamentalistas pentecostais.
Quarto que sempre a classe dominante cooptou muitos da classe dominada, seja economicamente, pagando salários melhorados e dando status a seus funcionários graduados, seja controlando os veículos de comunicação, para omitir os avanços sociais proporcionados pela esquerda, esconder os fracassos da direita e disseminar o ódio de classe.
Finalmente a sua última pergunta: porque esse artigo?
Analise o momento atual: pagamos a nossa dívida externa, nos livramos do FMI (duas fontes de sangria do nosso dinheiro), prejudicando capitalistas internacionais poderosíssimos; saltamos de décima sexta economia para sétima economia do planeta, em concorrência direta com eles; através de programas direcionados aos pobres (Bolsa Família, Prouni, Pronatec, Ciências Sem Fronteiras, Minha Casa Minha Vida...), a classe dominada se esclarece e faz novas exigências; os órgãos estatais já não financiam fazendas, cruzeiros marítimos, passeios à Disneylândia... Ou saneia empresas fraudulentamente falidas.
A burguesia brasileira está novamente descontente e se serve dos mesmos métodos: aliança com o capital multinacional, o uso dos veículos de comunicação e a cooptação.
Entre os cooptados estão os de pouca cultura, que sem nunca ter lido um livro de Marx, sem sequer saber quem foi Marx repetem um discurso louco de que o governo é comunista ou que há uma ameaça comunista, repetindo o que lhes dizem a mídia burguesa e as suas lideranças: políticos conservadores, líderes religiosos e sindicais, professores mal preparados... Ou pagando um pouquinho melhor e dando status, de maneira que, sendo proletários, vendedores da própria força de trabalho, se sintam superiores, compradores do trabalho alheio.
São os alienados, os chamados coxinhas, principal linha auxiliar da burguesia. Os do primeiro tipo estão na net, destilando ódio aos pobres, aos programas que beneficiam os pobres, a um governo que atende aos anseios dos pobres, como se ele, coxinha, fosse rico. Os do segundo tipo, os coxinhas de luxo, são aqueles que xingaram a presidente. A classe social que protelou a libertação dos escravos, que protelou a república, que quis se aliar aos nazistas, que levou Getúlio ao suicídio, que deu o golpe em 64, agradece.
Sem o alienado trabalho político dos coxinhas, na net, nos estádios, nas salas de aulas e nas empresas, eles não têm como continuar donos do país.
Francisco Costa
Rio, 15/06/2014.
[1] Dialética é um método de diálogo cujo foco é a contraposição e contradição de ideias que levam a outras ideias e que tem sido um tema central na filosofia ocidental e oriental desde os tempos antigos; demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão.
[2] Bolchevique é uma palavra da língua russa, e significa "maioritário". Assim foram chamados os integrantes da facção do Partido Operário Socialdemocrata Russo liderada por Vladimir Lênin.
[3] Os mencheviques pertenciam a uma facção do movimento revolucionário russo que surgiu em 1903 depois da disputa entre Vladimir Lenin e Julius Martov, ambos membros do Partido Operário Socialdemocrata Russo (POSDR).