POR DAVID DA COSTA COELHO
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Ao longo da vida acompanhei o óbito de inúmeras pessoas pelas quais era ligado de forma genética, na qualidade de parentes próximos, o que torna sua aceitação para quem fica mais [1]difícil, pois sem um nível de desapego e compreensão que só que só a reencarnação permite, vive se uma espécie de dor e agonia eterna que jamais cicatriza. O mesmo se deu comigo no sentido de amigos muito íntimos e colegas de longa data com quem ouvi e compartilhei muita coisa, perde-los não foi fácil na época, pois eu ainda engatinhava na minha descoberta pessoal que me fez ser tudo que sou hoje, restando uma eternidade de mim mesmo para completar-me neste processo de reencarnação que um dia terá fim. Quando se entende o real sentido da vida na 3ª [2]dimensão, sabemos que não foi um adeus eterno, apenas uma casca que em breve estará em outra fruta. A morte não ocorre nem mesmo para o corpo, porque a natureza recicla seus nutrientes e proporciona a outros seres vivos a oportunidade de absorver a energia vital que ali existe – fazemos isso ao nos alimentarmos de carnes, frutas, legumes, cereais, sucos, leite... - o mesmo se dá com nossa alma, ao retornar a 4ª dimensão, onde seu nível de aprendizado será novamente testado, e sendo necessário, retornará à Terra, onde viverá novamente como homem ou mulher.
Por ser ocidental, herdando um mundo cultural, histórico e religioso com base em magoas, pecado, inferno, e supostas divindades que interferem na vida terrena, estando nelas as culpas ou bondades do que fazemos em vida; coisa que no nosso entender, felizmente não ocorre porque reencarnar é viver sua própria realidade, crescer todos os dias através do aceitar as consequências de suas escolhas, jamais imputar erros e acertos a pessoas ou divindades criadas como muletas psicológicas de nossas realizações. Como tal, para isso não nos importa conceitos de bem ou mal e seres fantásticos de cada sociedade em que seu corpo atual viva, viemos até aqui para aprender, não viver acreditando que alguém – pessoas, demônios e divindades – são os responsável por nossas escolhas, ou nos carregam no colo quando estamos sofrendo, ou desejando algo que só estes possam nos dar.
Enquanto não nos libertamos dessa prisão mental do passado pré-histórico amplo, a morte permanecerá como a coisa mais difícil de aceitar, diante de tudo que perdemos e deixamos ao longo da vida e lamentamos não mais possuir. Para todas as outras que não seja relacionada ao fim da vida, ainda persiste uma lembrança e uma constância em nossa mente, mas para um falecimento isso não se permite. Ao acompanhar a passagem de muitos amigos e parentes de idade bem avançada, em todos eles o processo de senilidade era para mim até então uma coisa sem sentido e dolorosa, terrível de assistir no dia a dia, inexplicável também para os demais que acompanharam tal definhamento de seres conscientes que décadas atrás eram mais fortes que uma rocha, dotados de sabedoria plena, e que agora eram retalhos mentais do que um dia eles foram.
Não entendia essa agrura tão terrível em se destruir a mente de um ser humano antes de ele morrer idoso – algumas pessoas conseguem chegar à velhice quase que completamente lucidas, mas são raros os casos - nesse processo de extinção da consciência até o derradeiro dia de abandonar o corpo e seguir em frente para não se sabe aonde, pois depende da visão religiosa de cada um; ou até mesmo ausência de religião... O que certamente, para essas pessoas sem nenhum credo, seria um retorno ao nada do qual vieram. Ver uma pessoa da qual temos algum envolvimento emocional definhar, sem mais se reconhecer como pessoa, com tudo que isso representa, ou a seus amigos e parentes, com aquele olhar vazio e cego rumo ao infinito, nos sucinta lembrança não do que ele se tornou; e sim do que aguardamos em nossa mente para a nossa hora derradeira, nos vendo da mesma forma que ele foi, muitos anos antes, nesses instantes infinitos, a imaginação, neste caso, longe de ser um dom especial humano, passa a ser uma maldição.
O processo de envelhecer, tornar-se senil e finalmente morrer, era algo completamente sinistro para mim, diria que para todos nós, na eterna cultural ocidental de acreditar que seremos eternamente jovens, podendo encontrar nas farmácias e clínicas a eterna fonte da juventude, sabedoria e mente que jamais vai esquecer nada. Triste é acreditar nesse conto de natal. Embora creia que tais coisas sejam possíveis num futuro próximo para daqui há 20 ou 30 anos, com o advento da [3]nanotecnologia e das [4]células troco, que literalmente poderão não só curar tais patologias, como também estender a vida para a casa de 2 ou 3 séculos, ainda assim teremos que encarar os olhos da amante eterna que nos aguarda pacientemente, a morte.
Contudo, num dado dia, quase duas décadas atrás a resposta veio de forma limpa e clara, pude entender porque tive que assistir minha avó, uma senhora ativa, mãe de 11 filhos, uma guerreira na juventude, tornar-se algo semelhante a uma criança recém-nascida. Precisando de auxilio para as coisas mais primarias, como alimentação e higiene. Perguntei-me como ela encararia essa invasão de privacidade se fosse a mesma guerreira de outrora? Como poderia suportar ser limpa em suas partes íntimas, da mesma forma que fazemos por um recém-nascido, se em sua mente, ainda restasse o que ela sempre foi? O que eu via como um castigo para pessoas que chegavam à senilidade antes da morte, não era mais assim, a bem da verdade era um ato caridoso na preparação para deixar a casca que não mais servia, uma vez que as funções corporais e a memoria já não mais existissem, ficaria mais fácil para a alma deixar o corpo porque os vínculos que a prendiam aqui haviam sido completamente apagados de sua mente; assim como um bebe ao chegar do útero materno nada tem de conhecimento da realidade que o mantem aqui, estando livre de amarras terrenas se tiver que morrer meses após seu nascimento.
Pude compreender mais um mecanismo da reencarnação, agora não mais com os olhos de minha herança histórica judaica cristã, e sim com a da reencarnação que voltava a despertar em mim o conhecimento empírico de outras existências... Deixar o corpo é uma realidade a qualquer momento de nossas vidas, mas quando temos a missão de viver mais décadas que poucas pessoas na Terra, para cumprir nossa senda reencarnatória, se não nos libertamos dos apegos, magoas e emoções constantes, a morte e a velhice seriam castigos, e não o fim de um ciclo. Como a maioria das pessoas não estão propensas a esse conhecimento, somente aqueles de almas bem evoluídas teriam a capacidade de morrem lúcidos, aceitando auxilio nesta fase da vida, como algo necessário e caridoso. Deixando suas vaidades e emoções de individualidades não interferirem nesse processo do fim do corpo. Vi também pessoas idosas neste contexto morrerem. O olhar inteligente e sereno deles me atraia, falavam em partir para algo melhor e mais amplo, e quase sempre acertavam a hora, pois algo lhes dizia que seu tempo aqui estava chegando ao fim, e que os filhos e demais parentes deveriam entender isso não como uma perda, apenas estavam indo na frente preparar o caminho de quem tanto amava, e reencontrar outros que também lhe aguardavam.
Para ter uma velhice saudável, hoje à ciência medica nos proporciona inúmeras formulas magicas, mas nenhuma delas é capaz de curar aqueles que ainda levam consigo o passado do qual seus corpos e desejos foram, eles não são capazes de entender que não mais existe aquela imagem do que foram no espelho, ou na mente; portanto a senilidade da velhice nestes casos é uma benção. Alguns estudiosos acreditam que a nossa sociedade criou um paradoxo com a velhice, porque os homens de séculos atrás, salvo raras exceções, morriam no máximo com 60 anos, sãos e produtivos, e nos dias atuais, muitos chegam a casa de 80, 90, 100 anos. Desse contingente idoso, os asilos e lares familiares para esse contingente tendem cada vez a um crescimento que já atrai os loucos por encontrar um ‘mercado’ promissor. Com certeza muitos que agora leem essas palavras não desejam ser parte desse vicio por dinheiro dos futuros empresários do setor em expansão, contudo, fica difícil não compreender de imediato tal coisa, uma vez que a morte e a velhice são tão certos quanto o nascer do sol por mais 5 bilhões de anos.
Acredito que a formula magica de impedir a senilidade é justamente fazendo o mais impensável a qualquer ser humano, não carregar vínculos e entender cada momento da vida como algo necessário a nossa evolução na 3ª dimensão. Caso o apego seja o que o mantém são, para que tenha motivos para continuar vivendo, direcione ele para um objetivo. Mas à medida que for envelhecendo, passe a ver a morte pelo que ela é para todos os seres, uma chance de nova vida aos que reciclarem seu corpo, por mais macabro que tal visão mental seja, e de nova morada a sua alma no retorno a 4ª dimensão. Ao longo da longa vida que teremos, nem sempre conseguiremos tudo aquilo que desejamos, mas cada instante vivido é e será sempre um motivo de jamais deixar de sonhar, imaginar, e viver pelo que nos falta. E quando obtivemos o que tão ansiosamente lutamos, e vir o tédio por não mais haver conquistas, há sempre uma nova pelo longo caminho da vida. Até mesmo no vazio do nada que anseia por nós.
Na morte não temos certeza de nada com o fim do corpo terreno, mas quando partirmos para a próxima encarnação, haverá aquelas pessoas que ainda não conhecemos desse futuro, ou os filhos e netos que um dia teremos, bem como a certeza o fogo de alguém nos olhar nos olhos; despir-nos como a mente e saber, que de todos os amores e formas de amar o impossível, com seus olhos presos em nossa mente, a morte, a velhice nada nos representa de medo, e receio primário, apenas mais uma porta que um dia termos que abrir por vontade e consciência própria, ou senis para partir sem saber... O melhor motivo para jamais se entregar ao tedio, solidão ou as fraquezas do corpo e da vida, é saber que em algum lugar distante alguém nos ama, não se explica tal coisa, apenas se sente.
[1] O segredo da saúde mental e corporal está em não se lamentar pelo passado, não se preocupar com o futuro, nem se adiantar aos problemas, mas viver sabia e seriamente o presente, o que somos hoje vem de nossos pensamentos de ontem, e dos nossos pensamentos presentes construir a nossa vida de amanhã; nossa vida é a criação de nossa mente. O ser humano e tanto ou mais livre quanto sua capacidade de renuncia. Buda
[2] Um campo de provas dimensional onde almas reencarnam o numero de vezes que for necessário, até que um dia não precisem mais retornar a este plano, pois terão ascendido à 4ª dimensão, na forma de energia pura e consciente, depois disso, passarão por outros aprendizados, rumos a dimensões superiores.
[3] A nanotecnologia é o estudo de manipulação da matéria numa escala atômica e molecular. É a capacidade de criar objetos de qualidade superior aos existentes hoje, a partir da organização dos átomos da forma desejada, incluí o desenvolvimento de materiais ou componentes e está associada a diversas áreas (como a medicina, eletrônica, ciência da computação, física, química, biologia e engenharia dos materiais) de pesquisa e produção na escala nano (escala atômica).
[4] As células-tronco, células-mães ou células estaminais são células que possuem a melhor capacidade de se dividir dando origem a duas células semelhantes às progenitoras. O principal objetivo das pesquisas com células-tronco é usá-las para recuperar tecidos danificados por essas doenças e traumas. São encontradas em células embrionárias e em vários locais do corpo, como no cordão umbilical, na medula óssea, no sangue, no fígado, na placenta e no líquido amniótico.